No clima, sem fantasias

Sérgio Xavier
Coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), integrante do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) e articulador dos Labs de Economia Regenerativa de Fernando de Noronha e do Rio São Francisco

Publicação: 11/03/2025 03:00

No carnaval as fantasias são reais e inspiram vida, alegria, diversidade e igualdade. Na vida real, fantasias enganadoras geram tragédias e ampliam desigualdades! É o que vivenciamos no faz de conta planetário sobre as ações necessárias para reverter as mudanças climáticas e extremas desigualdades.

Em vez de avançar na construção colaborativa de soluções, o mundo está sendo contaminado por ondas de ilusões desagregadoras, que nos empurram para conflitos, guerras e destruições muito reais. Na passarela do atraso destacam-se negacionismos climáticos, mentiras em redes, machismos armamentistas e o marketing da ecoenganação.

Enquanto crescem incêndios, secas, ondas de calor, inundações e biodestruições, líderes globais desperdiçam tempo, forças e orçamentos em hostilidades, armas e matanças. E megaempresas agravam os riscos climáticos vendendo falsas soluções verdes.

Nesse contexto, o Brasil finaliza o ciclo carnavalesco conquistando um Oscar de democracia e inicia agora a contagem regressiva para a sua conferência global do clima (COP30), na Amazônia. Hora de guardar as fantasias e aproveitar a oportunidade para criar caminhos verdadeiramente promissores.

Enredo para soluções reais

Diante das urgências socioambientais é preciso focar em mudanças rápidas, comprometidas com adaptação saudável (de cidades, cadeias produtivas e modos de viver, para enfrentar com resiliência o novo clima); regeneração (de florestas, solos, rios e zonas costeiras, para capturar carbono, equilibrar ciclos hidrológicos e reverter o aquecimento global) e inclusão (capacitação acessível para acelerar a redução de desigualdades e fortalecer a economia regenerativa e inclusiva).   

Em síntese, um futuro sustentável exige visão e governança sistêmicas. Ou seja, entender, planejar e fazer tudo simultaneamente. Parece complexo (e é) mas isso pode ser feito de forma prática e ágil se focarmos na Transformação Socioecológica da Economia: em cada cadeia produtiva substituir processos degradadores e excludentes (baseados na concentração de renda e na fantasia do crescimento sem fim) por novos modelos de negócios regenerativos, inclusivos, descentralizados e circulares, movidos por energias renováveis e sintonizados com os ciclos biogeoquímicos naturais. Isso significa criar soluções baseadas na natureza e políticas públicas sociais-ambientais-econômicas interconectadas.     

Como os países mais ricos (e mais poluidores) estão em débito no Acordo de Paris e drenando recursos para guerras e competições radicais, dificilmente haverá avanço na COP30 para viabilizar os investimentos necessários para a urgente descarbonização, transição energética e adaptação da economia global. Logo, é fundamental criar mecanismos que incentivem o autofinanciamento da transformação socioecológica, com a criação de modelos econômicos verdes, competitivos e atraentes para investidores, empreendedores, trabalhadores e população consumidora.    

Como fazer
Isso exige formulação participativa multissetorial, integrando governos, ONGs, empresas, academia, setor financeiro e comunidades na construção de políticas públicas e modelos econômicos alinhados às vocações sociais, culturais e ambientais de cada região (Bioma).

Esse é o objetivo dos pioneiros Labs de Economia Regenerativa e Inclusiva, que estamos implantando com diversos parceiros em Pernambuco, Bahia e outros estados. O Brasil tem criatividade, conhecimento e porte para criar novos modelos de bioeconomia para o mundo. A COP30 é uma grande oportunidade para construir caminhos criativos, coletivos, inclusivos e animadores para a vida na Terra, inspirados no alegre ecossistema do nosso carnaval.