A Deus, papa Francisco!

Pedro Rubens
Reitor da Unicap

Publicação: 28/04/2025 03:00

Jorge Bergoglio foi um jesuíta “fora da curva”, um bispo e arcebispo fora do comum, um papa fora do perfil de todos os 265 anteriores, história que ele leu na experiência de exílio. Sim, antes de ser papa, ele foi muito incompreendido, inclusive entre os jesuítas. Mas nunca mostrou nenhum ressentimento, muito pelo contrário.

Primeiro a escolher o nome de Francisco, ele indicou, desde o início, um programa e o estilo de seu pontificado. Foi um papa na contracorrente de um mundo globalizado e excludente, de uma sociedade do consumo e do descarte, de uma igreja desfocada do Evangelho, de uma humanidade contraditória e desesperançada. Muito ainda teremos que descobrir de sua vida e missão, mas aqui ressalto três de seus aspectos mais marcantes: ele era um homem de Deus, um homem de igreja e um homem profundamente humano.

O papa Francisco falava de Deus a partir de uma oração profunda e espiritualidade vivida, à luz das Escrituras e conforme a grande tradição. Ele fazia uma releitura dos acontecimentos a partir da história de salvação, liberdade e libertação. A sua imagem de Deus não era de um pai severo e castigador, mas um pai com coração de mãe, misericordioso e compassivo, atento às necessidades humanas. Um Deus revelado plenamente em Jesus Cristo, profeta poderoso em obras e palavras, mas também um Deus crucificado na carne dos crucificados deste mundo. Um Deus paráclito, advogado dos empobrecidos, marginalizados, discriminados por questões de raça, gênero, religião e tantas outras mazelas da humanidade, mas, igualmente, Espírito Santo consolador, animador, vivificador e santificador.  

Bergoglio foi um homem de igreja, a serviço do Reino. Primeiro papa jesuíta e latino-americano, ele foi também o primeiro papa a ser ordenado padre depois do Concílio Vaticano II. O papa Francisco foi, portanto, filho do último concílio em suas três tarefas principais: atualização, reforma e renovação. Ele contribuiu com a atualização da mensagem cristã aos nossos contemporâneos, missão que, atualmente, passa por uma comunicação direta e simples, por uma relação da fé com a vida cotidiana e pelo uso das redes sociais. E, na linha da reforma e renovação da igreja ele propôs uma igreja em saída para as periferias geográficas e existenciais; uma igreja peregrina, sinodal e dialogal; uma igreja capaz de interpretar a Palavra de Deus a partir dos sinais dos tempos; uma igreja corajosa diante dos grandes problemas do mundo (guerras, ecologia integral) e acolhedora das pessoas, independentemente de questões de raça, gênero ou religião.

Enfim, uma das características mais consensuais do papa Francisco era a sua profunda humanidade, conquistando multidões, inclusive de pessoas afastadas da igreja, outras longe das religiões e até pessoas que se autodenominam como agnósticos e ateus. Pode parecer paradoxal ressaltar a humanidade de uma pessoa. Mas, como sabemos, no mundo em que vivemos, os problemas, os traumas, as decepções da vida e os cargos de poder, dentro ou fora da igreja, podem desumanizar uma pessoa. Ele não fugia do poder, mas o exercia com humana simplicidade e muita autoridade. Arriscando posições em conflitos, tocando em assuntos delicados ou temas-tabus, para além das ideias prevalecia a sua visão compreensiva das pessoas e das situações, revelando não apenas seu espírito humanista, mas sua grande humanidade. No entanto, ele não se contentava em ser um testemunho de humanidade, mas queria contribuir, concretamente, no resgate da dignidade humana de todas as pessoas que vivem em situações desumanas nas guerras, nos campos de refugiados, nas ruas das cidades, nas famílias, nas relações sociais e até na igreja...

Por tudo isso, ele incomodou muita gente, dentro e fora da Igreja Católica, como denotam alguns comentários que não conseguem esconder interesses questionáveis. Mas, muito maior é a irradiação de suas palavras, gestos e ações, uma contribuição ímpar para um mundo cada vez mais plural. Obrigado, papa Francisco!