Condômino antissocial: quando a propriedade perde a razão de ser

Rebeca Arandas
Advogada, conselheira da OAB/PE, pós-graduada em direito e mercado imobiliário pelo Instituto Luiz Mário Moutinho, cofundadora do Imobi Por elas e associada ao Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim)

Publicação: 06/08/2025 03:00

O direito de propriedade não é absoluto. Essa é uma verdade que, no contexto condominial, se revela com intensidade: morar em condomínio exige convivência, e convivência exige limites. O morador antissocial, aquele que compromete reiteradamente a harmonia e a segurança dos demais vizinhos, coloca em xeque a paz coletiva e o próprio conceito jurídico de propriedade como direito exercido com função social.

Hoje, o Código Civil prevê penalidades para esse tipo de comportamento, como multa até dez vezes o valor da cota condominial (art. 1.337, parágrafo único). Contudo, na prática, sanções pecuniárias muitas vezes não surtem efeito. E surge, então, a questão que inquieta advogados, síndicos e juristas: é possível expulsar o condômino antissocial?

Embora o Código Civil de 2002 não traga essa previsão expressamente, a jurisprudência tem trilhado esse caminho. No recurso especial 1.365.279/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que a conduta abusiva e reiterada pode, sim, justificar a exclusão forçada do condômino, com base na função social da propriedade (art. 1.228, §1º e §2º) e no abuso de direito (art. 187). Essa interpretação ganha ainda mais força diante da proposta de reforma do Código Civil, que prevê expressamente essa possibilidade em caráter excepcional, quando comprovada a total incompatibilidade do condômino com a vida em comum.

A doutrina contemporânea é clara: o direito de morar não pode se sobrepor ao direito coletivo à dignidade e à segurança. A exclusão deve ser medida extrema, sim, mas viável quando os mecanismos tradicionais se mostram ineficazes. Recentes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, como o da Apelação Cível n.º 1001334-40.2023.8.26.0004, confirmam esse entendimento, reforçando o papel do Judiciário na proteção da coletividade condominial.

A atuação jurídica, portanto, deve ser estratégica. Não basta alegar incômodo — é preciso comprovar a reiteração, a gravidade e a insuportabilidade da conduta, sempre com respaldo documental e deliberação em assembleia. Advogados e síndicos devem estar atentos aos requisitos legais, às garantias do contraditório e ao dever de proporcionalidade.

Falar de exclusão do condômino antissocial é, na verdade, falar da preservação do próprio condomínio enquanto ambiente minimamente saudável. E esse equilíbrio, que por vezes exige medidas drásticas, também passa por informação, preparo e ação coordenada.

Condomínio não é apenas partilha de espaço físico, é partilha de limites, responsabilidades e de respeito mútuo. Quando um condômino rompe de forma reiterada esse pacto coletivo, o Direito precisa oferecer uma resposta proporcional. Reconhecer a possibilidade de exclusão, dentro dos marcos legais e com respeito ao devido processo, é reconhecer que a função social da propriedade só se realiza plenamente quando a convivência é possível.