Nos nomes, a história do comunismo Batizados como Glauco, Karl Marx, Lenin e Luís Carlos, irmãos foram perseguidos durante o regime militar

Marcionila Teixeira
marcionilateixeira.pe@dabr.com.br

Publicação: 30/03/2014 03:00

Lenin, Karl Marx e Olga aprenderam desde cedo o significado do comunismo (ALCIONE FERREIRA/DP/D.A PRESS)
Lenin, Karl Marx e Olga aprenderam desde cedo o significado do comunismo
Alfredo José Gonçalves nasceu pobre, em um longínquo ano de 1917, em Limoeiro, Agreste pernambucano. Até o dia de sua morte, alimentou de tal forma seu sonho por igualdade social que o transformou em algo tangível. Junto com Maria Izídia, com quem viveu até os últimos dias de vida, trouxe ao mundo seis filhos. Chamou-os de Glauco, Karl Marx, Lenin, Olga, Luís Carlos e Alfredo. A cada um, ensinou o significado da palavra comunismo e todas as suas implicações. Assim começa a história dos irmãos Gonçalves, comunistas na origem, na certidão de nascimento e na vida. Personagens de uma narrativa de dores impressas a partir de um nome, de um modo de vida.

É quinta-feira, dia marcado para a entrevista com a família. O apartamento de Karl Marx, advogado, 67 anos, é simples e aconchegante. Karl ainda está fora. Assumiu a missão de ir à casa dos demais irmãos, em Candeias, Jaboatão dos Guararapes, para convencê-los a falar com o Diario sobre o passado comunista. Era a primeira vez que conversavam juntos sobre o pai, a prisão em janeiro de 1973 e o golpe militar de 1964. Em meia hora, o dono da casa chega acompanhado de Lenin, 64, técnico em mecânica industrial. Olga, advogada, 61, chega em seguida. Glauco, advogado, 68, e o irmão Luís Carlos, contador, 59, desistem. Não desejam remexer em feridas.

 (ALCIONE FERREIRA/DP/D.A PRESS)
Do pai, que dividia a mesa com mendigos e integrantes da Liga Camponesa, em Jaboatão, eles herdaram a vontade de mudar o mundo. Da mãe, pegaram boas doses de fé.  “A gente dividia o que não tinha e passava necessidade com os que estavam em pior situação. Quando nosso pai comprava um par de sapatos, obrigava cada um de nós a doar o usado para os mais pobres”, lembra Lenin.

Glauco, Lenin, Karl e Luiz Carlos, este último na época menor de idade, entraram para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização de luta armada brasileira de extrema esquerda que se posicionou contra o regime militar. Foram perseguidos, presos. Tiveram seu aparelho, sediado em Jaboatão, colocado abaixo em janeiro de 1973, mesma época do Massacre da Chácara São Bento, em Paulista, onde seis colegas do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foram mortos. “Meu pai costumava dizer: se um dia acontecer qualquer coisa, não digam que eu botei o nome em vocês. Digam que foi seu avô, que já está morto”, lembra Karl.

Dos cerca de 30 dias na prisão, onde hoje fica o Quartel do Exército, no Parque 13 de Maio, no Centro do Recife, eles carregam as histórias de tortura. “Levei choque elétrico, fui queimado com cigarro, levei telefone (golpe nos ouvidos), passei uma noite amarrado sob ameaça de ir para o pau de arara”, narra Lenin. Diante dos espancamentos, Karl conta que “se danava a inventar conversas”. “Tinha uma luz acessa o tempo inteiro na cela. Só sabia que era domingo quando o carcereiro ligava o rádio e escutava o jogo. Nunca tinha certeza se era noite ou dia”. Do lado de fora, Olga e a mãe viviam uma tortura psicológica. “Minha mãe entrou em depressão, fez jejum até os meninos aparecerem”, completa Olga.

A força para enfrentar os dias de tortura, tiraram de Alfredo, o pai. “Ele dizia que o futuro seria do comunismo porque todo mundo vai ser igual. Vai faltar água, mas alguém vai ter comida, então vai trocar água por comida. O escambo e a troca vão ser inevitáveis”, diz Karl.