O viés revolucionário de Pernambuco
No Nordeste, o estado é um dos que menos fez homenagens a líderes políticos em relação a vizinhos
Aline Moura
aline.moura@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 01/04/2017 03:00
Com histórico revolucionário, Pernambuco, que chegou a proclamar independência em 1817 e se tornar um país por 74 dias, é um dos três estados do Nordeste que menos criou municípios com nomes de personagens da realeza, líderes políticos ou coronéis. Os números mostram que, ao longo da história, houve um maior limite entre o público e o privado nas terras do “Leão do Norte”. Só há cinco municípios pernambucanos que fizeram deferência a líderes políticos: Abreu e Lima, Joaquim Nabuco, João Alfredo, Petrolina e Petrolândia. Há pelo menos 106 em toda região e a média nordestina é de 12 por estado.
Petrolândia, no Sertão, faz uma homenagem a Dom Pedro I, enquanto Petrolina, também na mesma região, recebeu esse nome como deferência ao Imperador Dom Pedro II e à sua mãe, a imperatriz Leopoldina. O reinado de Dom Pedro II enfrentou muitos conflitos políticos e sucumbiu ao ideal republicano um ano após a Abolição, em 1889. João Alfredo, senador imperial pernambucano, redigiu a Lei Áurea, em 1888, em meio às pressões sofridas pela coroa e pela Princesa Isabel, então regente do trono. Terminou inspirando o nome do município em 1935.
Filho do Padre Roma, executado por participar da Revolução Pernambucana, em 1817, Abreu e Lima, por sua vez, é considerado um dos heróis da Independência da Venezuela, ao lado de Simón Bolivar, tendo retornado a Pernambuco e sido preso na Revolução Praieira (1848). Conhecido como o “general das massas”, teve papel importante na América Latina. Joaquim Nabuco, por outro lado, foi deputado estadual de Pernambuco e um dos líderes da campanha abolicionista. Abreu e Lima é uma cidade da Região Metropolitana do Recife e Joaquim Nabuco, da Mata Sul.
Há 1.792 municípios no Nordeste e 5,91% têm nomes dedicados a políticos, pessoas da realeza e coronéis (dos tempos do coronelismo). Os nomes foram levantados pela reportagem no site do Tribunal Superior Eleitoral e depois tiveram a origem pesquisada nos sites das prefeituras municipais, no IBGE, e nos sites do Senado e da Câmara. Há duas versões, inclusive, para o nome de Petrolina. Uma delas descarta o tributo ao imperador e à imperatriz, destancando que havia uma pedra linda na margem de uma pedreira, chamada pedra lina, que se transformou em matéria-prima para construção de “um dos maiores monumentos históricos da cidade: a Igreja Catedral”.
Em termos proporcionais, levando em conta o tamanho dos estados e a quantidade de cidades, Pernambuco e Ceará têm o mesmo número de municípios com nomes de políticos - um pouco a mais que a Paraíba. A diferença é que os paraibanos colocaram o nome de dois coronéis em municípios e a capital faz referência a um mártir político: João Pessoa.
HOMENS
Uma das mulheres homenageadas foi a Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, porém os nomes masculinos predominam. O Piauí, por exemplo, tem 24 cidades (10,81%) com nomes de políticos (é o campeão no ranking feito pelo Diario) e nenhuma delas faz citação às mulheres que se destacaram. No Maranhão, Pedro do Rosário recebeu esse nome para celebrar o marido da primeira gestora da cidade, Maria do Rosário.
Na avaliação do professor Edvaldo Vieira de Souza Júnior, doutor em história social pela Universidade da Bahia, com experiência nas áreas de filosofia, história e ciência política, Pernambuco foge um pouco à tradição patrimonialista do Nordeste em virtude de movimentos de contestação à Monarquia, como a Revolução Pernambucana, em 1817, a Confederação do Equador (1824) e Revolução Praieira (1848-1850).
“Durante a colonização, não havia nada além de governo (do rei e de pessoas da realeza). Havia instituições que Portugal trouxe para cá. O estado empregava aquela elite”, explica Edvaldo Júnior. “O patrimonialismo, como diz Sérgio Buarque de Holanda, não sabe diferenciar o que é público e o que é privado. O caráter familiar das relações prevalece”, completou, reforçando que, no Brasil, ainda é comum uma mistura da família e do poder, algo que foi separado na Europa desde a Idade Média.
Segundo o professor, que trabalhou em universidades de Pernambuco, há municípios no estado, como Salgueiro, Limoeiro, Bom Conselho e Petrolina que tiveram coronéis que mandavam na política, nas nomeações de cargos públicos e no voto. “Não é que Pernambuco não tenha patrimonialismo. Mas Recife e Olinda têm características de cidades rebeldes, são inquietações constantes no imaginário do povo pernambucano. Você tem a Avenida Rosa e Silva, que foi uma referência a um coronel, mas Pernambuco tem um viés revolucionário”, destacou.
Curiosidades de alguns estados
Maranhão
217 municípios
23 com nomes de personagens da realeza, líderes políticos e coronéis (10,59%)
Dos 23 municípios, cinco deles são presidentes; 10, governadores; três, senadores; um deputado federal; outros dois personagens da realeza; e mais um coronel que não teve mandato político. Uma curiosidade é que o município Pedro do Rosário recebeu esse nome porque ele era marido da primeira gestora do município. No Maranhão, há nomes de cidades de políticos vivos, como José Sarney e Edison Lobão, ambos do PMDB. Vitorino Freire é outro município com o nome do padrinho político de José Sarney. Ambos romperam ao longo da vida.
Piauí
222 municípios
24 com nomes "famosos" (10,81%)
A maioria, 15 deles, receberam nomes em alusão a políticos que exerceram cargos eletivos. Um exemplo é Paes Landim, com menos de cinco mil habitantes. Uma homenagem ao antigo capitão Francisco Antônio Paes Landim Neto, ex-deputado estadual, que tem um filho, de mesmo nome, que está no sétimo mandato seguido como deputado federal.
Ceará
184 municípios
5 com nomes "famosos" (2,71%)
Rio Grande do Norte
167 municípios
16 com nomes "famosos" (9,58%)
Entre personagens do poder, os senadores receberam prioridade nos nomes de cidades. São quatro com topônios que fazem deferência a senadores: Almino Afonso, Ruy Barbosa, Senador Eloi de Souza e Senador Georgino Avelino.
Sergipe
75 municípios
3 com nomes "famosos" (4%)
Paraíba
223 municípios
6 com nomes "famosos" (2,69%)
É considerado um estado revolucionário. A morte de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que foi ex-ministro e era candidato a vice na chapa de Getulio Vargas, teria dado início a Revolução de 1930. No entanto, a Paraíba ainda tem dois municípios com nomes de antigos coronéis: Pedro Régis e Gurjão.
Alagoas
102 municípios
6 com nomes "famosos" (5,88%)
Duas cidades, Anadia e Atalaia, homenageiam personagens do Império: O visconde de Anadia, ministro português do século 19 que autorizou a criação da vila; e o Visconde de Atalaia, fidalgo português muito amigo de dom José I, que reinou Portugal entre os anos de 1750 e 1777.
Pernambuco
184 municípios
5 com nomes "famosos" (2,71%)
Bahia
417 municípios
19 com nomes "famosos" (4,55%)
A Bahia é muito conhecia pelos coronéis, tão bem retratados nos personagens de Jorge Amado. Para se ter uma ideia, Cícero Dantas foi o maior latifundiário do Nordeste, o coronel João Sá virou artigo da Universidade da Bahia, a Vila e o Coronel. Ele chegou a ser prefeito de Jeremoabo, mas foi homenageado por numa cidade vizinha. Também há quatro municípios com nomes de presidentes: Nilo Peçanha, Presidente Dutra, Presidente Jânio Quadros, Presidente Tancredo Neves, além de Jussaram, uma mistura de Juscelino Kubitschek e sua esposa Sarah.
Petrolândia, no Sertão, faz uma homenagem a Dom Pedro I, enquanto Petrolina, também na mesma região, recebeu esse nome como deferência ao Imperador Dom Pedro II e à sua mãe, a imperatriz Leopoldina. O reinado de Dom Pedro II enfrentou muitos conflitos políticos e sucumbiu ao ideal republicano um ano após a Abolição, em 1889. João Alfredo, senador imperial pernambucano, redigiu a Lei Áurea, em 1888, em meio às pressões sofridas pela coroa e pela Princesa Isabel, então regente do trono. Terminou inspirando o nome do município em 1935.
Filho do Padre Roma, executado por participar da Revolução Pernambucana, em 1817, Abreu e Lima, por sua vez, é considerado um dos heróis da Independência da Venezuela, ao lado de Simón Bolivar, tendo retornado a Pernambuco e sido preso na Revolução Praieira (1848). Conhecido como o “general das massas”, teve papel importante na América Latina. Joaquim Nabuco, por outro lado, foi deputado estadual de Pernambuco e um dos líderes da campanha abolicionista. Abreu e Lima é uma cidade da Região Metropolitana do Recife e Joaquim Nabuco, da Mata Sul.
Há 1.792 municípios no Nordeste e 5,91% têm nomes dedicados a políticos, pessoas da realeza e coronéis (dos tempos do coronelismo). Os nomes foram levantados pela reportagem no site do Tribunal Superior Eleitoral e depois tiveram a origem pesquisada nos sites das prefeituras municipais, no IBGE, e nos sites do Senado e da Câmara. Há duas versões, inclusive, para o nome de Petrolina. Uma delas descarta o tributo ao imperador e à imperatriz, destancando que havia uma pedra linda na margem de uma pedreira, chamada pedra lina, que se transformou em matéria-prima para construção de “um dos maiores monumentos históricos da cidade: a Igreja Catedral”.
Em termos proporcionais, levando em conta o tamanho dos estados e a quantidade de cidades, Pernambuco e Ceará têm o mesmo número de municípios com nomes de políticos - um pouco a mais que a Paraíba. A diferença é que os paraibanos colocaram o nome de dois coronéis em municípios e a capital faz referência a um mártir político: João Pessoa.
HOMENS
Uma das mulheres homenageadas foi a Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, porém os nomes masculinos predominam. O Piauí, por exemplo, tem 24 cidades (10,81%) com nomes de políticos (é o campeão no ranking feito pelo Diario) e nenhuma delas faz citação às mulheres que se destacaram. No Maranhão, Pedro do Rosário recebeu esse nome para celebrar o marido da primeira gestora da cidade, Maria do Rosário.
Na avaliação do professor Edvaldo Vieira de Souza Júnior, doutor em história social pela Universidade da Bahia, com experiência nas áreas de filosofia, história e ciência política, Pernambuco foge um pouco à tradição patrimonialista do Nordeste em virtude de movimentos de contestação à Monarquia, como a Revolução Pernambucana, em 1817, a Confederação do Equador (1824) e Revolução Praieira (1848-1850).
“Durante a colonização, não havia nada além de governo (do rei e de pessoas da realeza). Havia instituições que Portugal trouxe para cá. O estado empregava aquela elite”, explica Edvaldo Júnior. “O patrimonialismo, como diz Sérgio Buarque de Holanda, não sabe diferenciar o que é público e o que é privado. O caráter familiar das relações prevalece”, completou, reforçando que, no Brasil, ainda é comum uma mistura da família e do poder, algo que foi separado na Europa desde a Idade Média.
Segundo o professor, que trabalhou em universidades de Pernambuco, há municípios no estado, como Salgueiro, Limoeiro, Bom Conselho e Petrolina que tiveram coronéis que mandavam na política, nas nomeações de cargos públicos e no voto. “Não é que Pernambuco não tenha patrimonialismo. Mas Recife e Olinda têm características de cidades rebeldes, são inquietações constantes no imaginário do povo pernambucano. Você tem a Avenida Rosa e Silva, que foi uma referência a um coronel, mas Pernambuco tem um viés revolucionário”, destacou.
Curiosidades de alguns estados
Maranhão
217 municípios
23 com nomes de personagens da realeza, líderes políticos e coronéis (10,59%)
Dos 23 municípios, cinco deles são presidentes; 10, governadores; três, senadores; um deputado federal; outros dois personagens da realeza; e mais um coronel que não teve mandato político. Uma curiosidade é que o município Pedro do Rosário recebeu esse nome porque ele era marido da primeira gestora do município. No Maranhão, há nomes de cidades de políticos vivos, como José Sarney e Edison Lobão, ambos do PMDB. Vitorino Freire é outro município com o nome do padrinho político de José Sarney. Ambos romperam ao longo da vida.
Piauí
222 municípios
24 com nomes "famosos" (10,81%)
A maioria, 15 deles, receberam nomes em alusão a políticos que exerceram cargos eletivos. Um exemplo é Paes Landim, com menos de cinco mil habitantes. Uma homenagem ao antigo capitão Francisco Antônio Paes Landim Neto, ex-deputado estadual, que tem um filho, de mesmo nome, que está no sétimo mandato seguido como deputado federal.
Ceará
184 municípios
5 com nomes "famosos" (2,71%)
Rio Grande do Norte
167 municípios
16 com nomes "famosos" (9,58%)
Entre personagens do poder, os senadores receberam prioridade nos nomes de cidades. São quatro com topônios que fazem deferência a senadores: Almino Afonso, Ruy Barbosa, Senador Eloi de Souza e Senador Georgino Avelino.
Sergipe
75 municípios
3 com nomes "famosos" (4%)
Paraíba
223 municípios
6 com nomes "famosos" (2,69%)
É considerado um estado revolucionário. A morte de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que foi ex-ministro e era candidato a vice na chapa de Getulio Vargas, teria dado início a Revolução de 1930. No entanto, a Paraíba ainda tem dois municípios com nomes de antigos coronéis: Pedro Régis e Gurjão.
Alagoas
102 municípios
6 com nomes "famosos" (5,88%)
Duas cidades, Anadia e Atalaia, homenageiam personagens do Império: O visconde de Anadia, ministro português do século 19 que autorizou a criação da vila; e o Visconde de Atalaia, fidalgo português muito amigo de dom José I, que reinou Portugal entre os anos de 1750 e 1777.
Pernambuco
184 municípios
5 com nomes "famosos" (2,71%)
Bahia
417 municípios
19 com nomes "famosos" (4,55%)
A Bahia é muito conhecia pelos coronéis, tão bem retratados nos personagens de Jorge Amado. Para se ter uma ideia, Cícero Dantas foi o maior latifundiário do Nordeste, o coronel João Sá virou artigo da Universidade da Bahia, a Vila e o Coronel. Ele chegou a ser prefeito de Jeremoabo, mas foi homenageado por numa cidade vizinha. Também há quatro municípios com nomes de presidentes: Nilo Peçanha, Presidente Dutra, Presidente Jânio Quadros, Presidente Tancredo Neves, além de Jussaram, uma mistura de Juscelino Kubitschek e sua esposa Sarah.
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