Fantasma do caixa 2 de volta em 2018 Mesmo depois da Operação Lava-Jato e das novas regras, o repasse de dinheiro "não contabilizado" deve continuar na próxima campanha

Renato Souza
politica@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 02/12/2017 03:00

Nas eleições municipais de 2016, quando o financiamento privado de campanha já estava proibido por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), R$ 184 milhões em doações eleitorais apresentaram indícios de irregularidades. É o que mostra levantamento do Correio Braziliense/Diario a partir de relatórios do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal de Contas da União (TCU). As principais suspeitas são de que o dinheiro doado tenha origem em desvios do setor público. Os dados revelam ainda que os artifícios para burlar a fiscalização sofreram uma profunda transformação. As doações individuais, repassadas oficialmente, estão no centro das denúncias de fraude. O estado mais afetado é Mato Grosso, onde R$ 56 milhões em doações do último pleito são alvos de processos na Justiça.

As novas regras eleitorais criadas pela reforma política entraram em vigor em outubro deste ano na esteira da Operação Lava-Jato. No entanto, o financiamento de campanhas políticas por parte de empresas está proibido desde setembro de 2015, quando o plenário do Supremo entendeu que “os limites fixados pela legislação brasileira para doação de empresas a campanhas eleitorais são insuficientes para coibir a captura do político pelo poder econômico”. As fraudes encontradas no pleito de 2016 acendem o alerta sobre o que as autoridades podem enfrentar em uma eleição mais abrangente, com disputas que custarão até R$ 70 milhões. Nas investigações que estão em curso, o que mais chama atenção é o caso de pessoas de baixa renda que doam altas quantias para políticos. Entre os investigados, há o caso de um homem que está incluído no Cadastro Único (CadÚnico), do governo federal. Ele declarou viver com uma renda mensal de R$ 200, mas doou R$ 67 mil para um candidato a prefeito.

Outra manobra identificada foi a de pessoas que receberam recursos públicos e doaram quantias relevantes. Geralmente, sócios de empresas que tiveram algum tipo de aporte do governo ou participaram de licitações com o setor público. Especialistas alertam que os candidatos podem utilizar a autodoação de campanha ou doações de pessoas físicas para disfarçar o recebimento de caixa 2. A prática de angariar dinheiro ilegal por meio oficial ganhou notoriedade com o avanço da Operação Lava-Jato e movimentou bilhões na campanha de 2014.

Por meio de um grande esquema de corrupção, empresários, políticos e funcionários públicos desviaram cerca de R$ 38 bilhões dos cofres públicos, sendo que a Petrobras foi a principal prejudicada. As investigações do Ministério Público Federal (MPF) apontam que, pelo menos, R$ 6,4 bilhões podem ter sido repassados aos políticos por meio de doações oficiais nos pleitos de 2010 e 2014. Nas próximas eleições será permitido que um candidato financie até 100% dos custos da própria campanha. Além disso, a nova legislação permite que pessoas físicas façam doações aos candidatos e partidos.

Um dos maiores desafios do combate à corrupção é a quantidade de candidatos frente ao precário sistema de fiscalização das finanças eleitorais. Os órgãos de controle, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Receita Federal, terão a difícil tarefa de fiscalizar mais de 20 mil candidatos, média de cada eleição, que devem envolver milhões de pessoas na captação de recursos. O cientista político Lucas de Aragão, mestre em Campanhas Eleitorais e Governo pela Fordham University, de Nova York (EUA), afirma que, para evitar ilegalidades nas campanhas, é necessário investir em fiscalização. “Os crimes se reinventam de acordo com as normas. Restringir as doações das empresas é importante por conta do momento político que o Brasil vive. Mas quando se trata de dinheiro, eleição e política, sempre vai ter uma porta para fazer caixa 2. Os candidatos podem usar essa possibilidade do autofinanciamento para receber dinheiro ilegal e injetar em suas campanhas, com o disfarce da legalidade. O problema não é o sistema político, mas, sim, a fiscalização”, afirma.

Relações Criminosas

O caixa 2 de campanha ocorre quando um candidato recebe dinheiro e não declara aos órgão de fiscalização. A empresa que repassa também deixa de informar a transação.

Caixa 2 “oficial”

Na operação Lava-Jato, investigadores descobriram que o dinheiro de doações declaradas à Justiça Eleitoral tinha origem em desvios nos recursos da Petrobras

O Ministério Público acredita que ao menos R$ 6,4 bilhões foram repassados em propina para políticos

Neste montante estão incluídos os valores repassados via caixa 2 de campanha

Durante a Lava-Jato, 83 pessoas com foro privilegiado foram denunciados pelo MPF ao STF suspeitas de corrupção, lavagem de dinheiro e a prática de caixa 2

O que diz a lei


Código eleitoral:
No artigo 350 da lei, é definido como crime o ato de “omitir, em documento público ouo particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento for público, e reclusão de até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multas se o documento for particular.

Código penal:
Em seu artigo 317, define o crime de corrupção passiva como o de “solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

Quem Fiscaliza?
  • Receita Federal
  • Tribunal Superior Eleitoral
  • Tribunais regionais eleitorais dos estados
  • Ministéri Público Eleitoral
A polêmica

21 de setembro de 2016: o estão ministro-chefe Governo, Geddel Vieira Lima, afirma que caixa 2 não é crime, pois não está tipificado na lei.

8 de setembro de 2017: Geddel é preso em Salvador após a PF encontrar R$ 51 milhões em espécie em apartamento ligado a ele.

O dinheiro não tinha sido declarado à Receita Federal e o Ministério público acredita que seria repassado para outros políticos