Suspeito do Crime da Rua Cuba atua na Lava-Jato O advogado Bouchabki chegou a ser acusado de matar pais em 1988, mas foi absolvido por falta de provas

Publicação: 10/02/2018 03:00

Há cerca de quatro anos, o advogado Jorge Delmanto Bouchabki chegou para uma audiência e viu que na lista que o funcionário do tribunal trazia na mão, seu nome vinha acompanhado de uma anotação: Rua Cuba. O endereço era referência a um dos mais famosos crimes da década de 1980.

Na véspera do Natal de 1988, o advogado Jorge e sua mulher, Maria Cecília, pais de Bouchabki, foram mortos em sua casa localizada no Jardim América, bairro nobre da capital paulista. O rapaz, então com 18 anos, foi acusado pelo Ministério Público de São Paulo de ser o autor dos disparos.

Absolvido pela Justiça por falta de provas em duas instâncias - a última, em 1999 - Bouchabki não conseguiu apagar por completo o estigma da acusação. “Eu nunca fui tratado como suspeito. Ser tratado como suspeito eu até entenderia. Mas me trataram sempre como culpado. Eu fui condenado pela imprensa”, diz o hoje advogado em entrevista à Folha de S.Paulo - a primeira vez que fala à imprensa, segundo ele, em 27 anos. “Mas a vida é redonda”, arremata, para dizer que deu a volta por cima. Aos 47 anos, ele segue frequentando tribunais, mas para defender seus clientes - entre eles, réus em cinco processos ligados à Operação Lava-Jato.

Bouchabki é advogado de João Muniz Leite na ação em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de ser o verdadeiro dono de um apartamento vizinho ao seu, em São Bernardo do Campo. O imóvel está no nome do empresário Glaucos da Costamarques e foi comprado com dinheiro da Odebrecht. A defesa de Lula diz que o ex-presidente alugava o apartamento para acomodar seus seguranças.

Outro réu defendido por ele é Alexandre Margotto, ex-sócio do operador Lúcio Funaro, acusado nas operações Cui Bono? e Sepsis de participar de um esquema que extorquia empresários com interesse em financiamentos na Caixa. Bouchabki atua ainda em processos da operação Greenfield, que investiga desvios em fundos de pensão, e da Porto Victória, que apura uma quadrilha especializada em evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Na sexta-feira da semana passada, o advogado recebeu a reportagem em seu amplo escritório no Jardim Guedala, um bairro residencial arborizado, na zona sul paulistana. Ele diz que, apesar de ter passado tanto tempo sem falar com a imprensa, nunca teve nada a esconder. “Eu não tenho problema em falar sobre o assunto. Eu não matei meus pais. Estou tranquilo”, diz.

Nas duas salas ao lado trabalham seus dois irmãos, Marcelo e Graziela, também advogados. Na época do crime, eles tinham respectivamente 14 e 10 anos. “Eles estariam aqui comigo se eu tivesse matado os pais deles?”, pergunta.

Após o crime, ele, Marcelo e Graziela foram morar com a avó materna, Cecília. Ela foi uma das suas testemunhas no processo do assassinato dos pais. “Minha avó nunca desconfiou de mim. Ela disse para o juiz: ‘quero que vocês saibam que estou defendendo meu neto, mas se lembrem que a pessoa que foi assassinada foi a minha filha. Eu nunca defenderia o assassino da minha filha’”, relembra Bouchabki.

Ao acusá-lo do assassinato, polícia e Ministério Público apontaram como motivo um desentendimento com os pais, que não aprovavam seu namoro. “Minha mãe não gostava do namoro, mas isso não era nada demais. Chegaram a dizer que minha mãe teria me batido com um taco de sinuca nas costas durante uma discussão. Isso é um absurdo. Eu nunca briguei com a minha mãe”, diz Bouchabki, hoje casado e sem filhos.

Ele e os irmãos têm três suspeitas sobre a autoria do crime da Rua Cuba. Duas são de casos concretos em que o pai contrariou interesses de outras pessoas e a terceira suspeita é de um assalto comum. Ele, porém, não quer apontar para ninguém. “Eu já fui vítima de uma acusação sem provas e não quero cometer o mesmo erro que cometeram comigo”, diz.

Sem solução
Jorge e Maria Cecília Bouchabki forammortos comquatro tiros à queima-roupa na própria cama, numa casa na Rua Cuba, no JardimAmérica, bairro nobre paulistano. Segundo a polícia, a porta do quarto estava trancada por dentro. Foi descartada a hipótese de homicídio seguido de suicídio porque a arma do crime nunca foi encontrada. As suspeitas recaíramsobre o filho mais velho do casal, Jorge Delmanto Bouchabki, então com18 anos. Ele disse aos policiais que havia saído para visitar a namorada quando o crime aconteceu. A polícia e o MP concluíramque o primogênito era o autor do crime. O motivo apontado seria conflito comos pais. O rapaz foi indiciado, mas a Justiça o inocentou em 1999 por falta de provas.