TSE fecha cerco à fraude na cota de gênero Caso mais recente foi julgado na quinta. Corte declarou fraude praticada pelo PDT, em Pombos, e pelo PSB, em Cacimbas, na Paraíba

Publicação: 09/03/2024 03:00

Para as eleições municipais deste ano, pela primeira vez, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inseriu diretamente nas regras que regem o pleito diversos critérios objetivos para caracterizar fraudes na cota de gênero. A medida foi tomada em fevereiro quando os ministros aprovaram uma inédita resolução sobre ilícitos eleitorais, visando afastar dúvidas sobre quais condutas o tribunal considera delituosas, segundo o estado da arte da jurisprudência.

Pela nova norma, incorre automaticamente em fraude a candidata a vereadora com votação zerada ou pífia, sem importar o motivo alegado para a baixa votação.

Também será considerada laranja a candidatura feminina com prestação de contas idêntica a uma outra, ou que não promova atos de campanha em benefício próprio. Tais situações configuram fraude mesmo se ocorrerem sem a intenção de fraudar a lei, segundo as regras aprovadas.

Outro ponto consolidado foi o de que todos os votos recebidos pela legenda ou coligação envolvida com a fraude devem ser anulados, o que resulta, na prática, na cassação de toda a bancada eventualmente eleita.

Considerada rígida pelos partidos, a regra é resultado de anos de julgamentos e condenações, sobretudo, no último ciclo das eleições municipais, destacam especialistas ouvidas pela reportagem. Desde 2020, o TSE condenou diversas legendas por fraude na cota de gênero, em ao menos 72 processos oriundos de municípios de todas as regiões do país.

“Ao colocar os critérios numa resolução, a Justiça está passando um sinal ainda mais forte”, disse a advogada Luciana Lóssio, que foi ministra do TSE entre 2011 e 2017 e participou dos primeiros passos desse avanço jurisprudencial.

O caso mais recente foi julgado na quinta-feira (7), quando o plenário do TSE declarou a fraude praticada pelo PSB no município de Cacimbas, na Paraíba, e pelo PDT em Pombos, na Mata Sul de Pernambuco. Em ambos, toda a bancada eleita de vereadores pelos partidos foi cassada. O ministro Ramos Tavares foi o relator.

Na análise da chapa de Pombos, o TSE reformou a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) ao entender que a burla à cota de gênero foi praticada pelo PDT, nas Eleições 2020, com a candidatura fictícia de Madalena Matildes de Freitas.

“Aqui, além de todas as circunstâncias que configuram a fraude, há o agravante de que a suposta candidata tem relação de parentesco com concorrente na mesma chapa”, apontou Ramos Tavares.

O ministro decretou a nulidade dos votos recebidos pelo PDT para o cargo de vereador no município, cassou o respectivo Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) e os diplomas dos candidatos a ele vinculados.

Com a decisão, o único vereador do partido que havia sido eleito no município com 421 votos, Beto Lanches, perdeu o mandato. A reportagem não conseguiu contato com ele.

Lento avanço
Até chegar às regras atuais, foi percorrido um caminho de décadas. A primeira política afirmativa para candidaturas femininas data de 1995, quando foi aprovada a reserva de 20% das candidaturas para mulheres, mas sem a obrigação dessas vagas serem de fato preenchidas, o que nunca ocorria. Desde então as cotas para candidaturas femininas subiram para 30% e se tornaram obrigatórias.

“O que tinha que ser feito em termos de aprimoramento legislativo e jurídico foi feito. Agora é contar com o amadurecimento civilizatório dos dirigentes dos partidos políticos”, afirma Luciana Lóssio.

A advogada lembra como, no início, praticamente não havia instrumentos jurídicos para se caracterizar uma candidatura como laranja, por exemplo. “Hoje, a jurisprudência está altamente solidificada no sentido de combater a fraude na cota de gênero com indícios muito mais concretos e de fácil percepção”, acrescenta.

Para a advogada Renata Aguzzolli Proença, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o fato de critérios objetivos terem sido incluídos numa resolução eleitoral deve incentivar que as fraudes sejam caracterizadas mais cedo. “A resolução traz uma certa vinculação, sendo uma forma de orientação aos juízes eleitorais, que, por vezes, estão atuando numa eleição esporadicamente. Vai acrescentar muito para que já no primeiro grau surjam essas punições”, avalia a defensora.

Apesar de regras mais rígidas, as advogadas ressalvam que ainda há um longo caminho até que as mulheres ocupem o Legislativo na mesma proporção que representam do eleitorado, ou seja, 53% do total. As mulheres ocupam hoje apenas 17,7% das vagas no Congresso Nacional, por exemplo. Para se alcançar essa paridade, “a Justiça tem que ser intransigente”, finaliza Luciana. (Da Redação com Agências)