REAL - 30 ANOS » Real mudou política da Nova República Plano econômico tirou o Brasil da hiperinflação, transformou doutor em sociologia em herói nacional e impactou no presidencialismo de hoje

Guilherme Anjos

Publicação: 01/07/2024 03:00

Trinta anos atrás, a recém criada democracia brasileira passava por um momento conturbado. O então presidente Fernando Collor de Mello, vencedor das primeiras eleições diretas do país após a Ditadura Militar e o governo de transição liderado por José Sarney, acabava de sofrer um impeachment, e a população voltava a precisar depositar sua esperança em um gestor que não recebeu seus votos - o vice-presidente Itamar Franco.

“Itamar não era um político eminente, não tinha uma grande tradição política. Ele assumiu o governo com a população atônita, e veio com mais um plano econômico dos diversos que o Brasil teve desde a restauração da democracia. No começo, ele tinha uma popularidade baixa, não era carismático como Collor, ninguém votou nele. Ele simplesmente acabou assumindo, da mesma forma que Sarney”, conta o cientista político e economista, Sandro Prado.

Contrariando as expectativas dos brasileiros após 13 planos econômicos fracassados desde a redemocratização, sendo quatro deles de autoria da gestão que Itamar compôs, a mudança da moeda em 1994 com a gradativa implementação do Plano Real parecia dar certo. “A inflação brasileira caiu para patamares razoáveis. Tínhamos um processo hiper inflacionário quando Collor assumiu o governo, a inflação estava acima de 80% ao mês. Essa era a herança que a gestão Collor-Itamar tinha recebido”, relembra Prado.

O programa foi fruto de uma equipe econômica liderada pelo doutor em sociologia Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que assumiu o Ministério da Fazenda em 1993 após comandar a pasta das Relações Exteriores, e se tornou o garoto-propaganda do Plano Real - uma estratégia para levá-lo à presidência da República em um momento da política nacional em que o chefe do executivo não se reelegia, tornando o nome de Itamar desinteressante para se explorar, e abrindo caminho para criar um ícone do momento pós-redemocratização.

“O nome da vez na televisão, rádios e jornais era Fernando Henrique Cardoso como o ‘pai do Plano Real’ que tirou o Brasil da inflação. Isso foi vendido nas eleições, tanto que ele ganhou ainda no primeiro turno contra Lula, principal adversário de Collor em 1989”, afirmou Prado, apontando ainda que a publicidade em cima  FHC até hoje altera a percepção pública sobre fatos históricos. “Muitas pessoas pensam que o plano foi no Governo FHC. Não, ele era o administrador da pasta, mas nem economista era”, completou.

Não apenas sua eleição, mas toda a trajetória de FHC na presidência foi pautada pelo sucesso do Plano Real e em sua estabilidade ao longo dos anos, articulando alterações no Executivo que hoje são canônicas, como a reeleição presidencial. Ainda, sua popularidade e aprovação foram vitais para o crescimento do PSDB em todo o país.

“O PSDB também assume um protagonismo, e começa a ser o rival do PT, dois partidos de cunho social-democrata, um mais de centro-direita, outro mais à esquerda. A política naquele momento começa com esse dualismo, o PSDB fortalecido principalmente pelo sudeste do país, e o PT começando a angariar a preferência do eleitorado nos estados com menor índice de desenvolvimento, como norte e nordeste”, analisa Prado.

“Mas tudo isso aconteceu num movimento de muita mudança na percepção do brasileiro em relação ao político, de confiar na democracia. Quem conseguiu essa estabilidade no Brasil foi o governo FHC, que fez as bases estruturais políticas e econômicas para que tivéssemos uma mudança de poder para o PT de forma organizada e ordeira, coisa que não vimos no último pleito”, concluiu.

A comunicação foi um ponto chave para que o Plano Real, implementado em etapas, fosse assimilado e tivesse engajamento. “Sem muita explicação, verbo, liderança e apoio da mídia não se consegue o principal, que é convencer, ou seja, vencer junto tanto com as cúpulas político-tecnocráticas como, principalmente, junto com o povo”, assinalou o presidente Fernando Henrique Cardoso, anos atrás sobre o sucesso do plano.

O jornalista Thomas Traumann, autor do livro O Pior Emprego do Mundo, que narra a trajetória de 14 ministros da Fazenda desde 1967, também aponta para o cuidado com a disseminação das medidas econômicas no lançamento do Real.

Segundo Traumann, o Plano Real contou com “apoio didático preponderante da mídia”. “Os telejornais foram favoráveis ao plano desde o seu dia zero”, destacou. A informação sem sustos evitou comportamentos que em outros planos criam corrida a bancos, supermercados e postos de combustível.