Entrevista: João Bosco Bezerra Bonfim Poeta e doutor em Análise do Discurso pela Universidade de Brasília (UnB)

Publicação: 17/10/2016 03:00

"Pode-se ensinar tudo em versos"

Por que usar a literatura de cordel nas escolas?
O cordel é o gênero mais próximo da oralidade, e as crianças – e também adultos em alfabetização – já dominam bem a linguagem oral. Ao lerem cordéis, encontrarão afinidades com a modalidade oral (rimas, repetições, descontração, brincadeiras típicas de quando se conversa). Então, o cordel é uma transição do oral para o escrito, por ser um escrito para ser oralizado. Em outras palavras: o cordel é para o encantamento das histórias escritas e, depois de criarem afinidade pelo escrito, as crianças e os neoleitores terão mais fluidez ao ler (oralizar, levar do escrito para a leitura em voz alta) os outros gêneros (matemática, física etc.).

As escolas públicas brasileiras já usam o cordel como ferramenta pedagógica? Como é o cenário atual nesse sentido?
Há um grande vazio a ser preenchido nesse campo. Há um enorme desconhecimento dos professores quanto a essa matéria. Muitas vezes, quando chego a uma escola para ministrar uma oficina de cordel, os mestres se espantam: “Mas, então, o cordel é tudo isso?” Muitos se perdem, ao simplesmente considerar o cordel no mês de agosto, em que se trabalha folclore. Outros avaliam-no negativamente, como se fosse arte de iletrados, e outros preconceitos semelhantes, que, até mesmo, diminuem a fonte – nordestina – do cordel, como se essa não fosse uma boa origem. Então, o que falta é formação: cada secretaria de município ou de estado deve incentivar seus educadores a aprenderem essa arte.

É possível trabalhar conceitos matemáticos ou disciplinas como química e física usando o cordel?
Sim, é possível trabalhar qualquer conteúdo com a base do cordel, que são as sextilhas (estrofes de seis versos) em redondilha maior (versos de sete sílabas poéticas). Pode-se fazer publicidade ou mesmo difundir um hábito saudável para a população escolar. Já era Aristóteles quem dizia que eu posso escrever um tratado de medicina em versos. Nem por isso, o cientista será chamado poeta. Claro que esse cordel com conteúdo de química ou física será discurso acadêmico e não poesia.