A memória é dos moradores

Publicação: 16/12/2017 03:00

As ladeiras do Sítio Histórico de Olinda carregam em si uma infinidade de lembranças, que vão além da graça do carnaval. Elas trazem consigo a memória de pessoas que se dedicaram - e continuam a se dedicar - à manutenção daquilo que a cidade tem de mais precioso: a cultura e a vivacidade. A narrativa de muitos moradores da Cidade Alta se misturam tantas vezes com a história dos próprios bairros e suas ruas. Se para a Unesco patrimônio é tudo aquilo que nos pertence, o envolvimento desses personagens com Olinda já se tornou patrimônio imaterial.

Essas relações foram condensadas no livro Olinda - Patrimônio cotidiano. Memória coletiva de seus moradores, lançado este ano. A trajetória de muitos moradores, inclusive, se confunde com a criação de blocos e troças carnavalescas.

Um dos personagens vivos mais icônicos é o ator e bailarino Jonatas Batista da Silva, 52 anos, mais conhecido nas ladeiras por Joninhas. Abandonado pela família adotiva aos oito anos de idade, veio do bairro de Peixinhos e conseguiu um emprego como ajudante de entalhador de um artista da cidade. Aos 10 anos, passou a trabalhar como garçom e aos 12, estava na Prefeitura de Olinda, na época do tombamento do Sítio Histórico.

“Eu costumo dizer que minha relação com Olinda é de mãe e filho. Fui acolhido pelos moradores e foram os olindenses que me apelidaram de Joninhas. A cada noite, dormia na casa de algum amigo, frequentava seus quintais. E cada casa dessa carrega um pouco da minha história, das minhas angústias. Eu participei ativamente da história da oficina Guayanazes, convivendo com figuras como João Câmara, Zé Carlos Viana e outros”, declara Joninhas.

Cores
Em consonância à poética dos casarios, outra figura que condensa a memória imaterial da Cidade Alta é o estilista Eduardo Pontual, mais conhecido como Dudu. Vestido quase sempre de com roupas coloridas e adornos não convencionais, é impossível frequentar o Sítio Histórico sem percebê-lo. No livro Olinda - Patrimônio cotidiano, Duda resume o espírito plural do morador das ladeiras: “Vou fazer de tudo para que nunca deixe de correr em mim o sangue do olindense… do olindense carnavalesco da Pitombeira dos Quatro Cantos; do Clube Vassourinhas onde eu desfilo vestindo a camisa de diretor. Do católico que ama a Igreja do Rosário e que é amigo de Dom Marcelo, sem deixar de ser frequentador de terreiros dos cultos afro-brasileiros”.

Assim como aconteceu com Joninhas, para o artista plástico Milton Cosmus, 60 anos, a vivência em Olinda foi o que o orientou a seguir pelos caminhos da arte. “Eu comecei a frequentar a Cidade Alta aos 10 anos de idade e costumo dizer que aqui foi o meu portal. Morando aqui, tomei meu primeiro banho de chuveiro, frequentei vernissages, exposições. Aprendi a ser mamulengueiro e a tocar percussão, fazendo shows com Erasto Vasconcelos. Também participei de filmes, entre eles um rodado em um dos imóveis onde morei, o Teatro Mamulengo”, conta Cosmus.