DIARIO NOS MUNICíPIOS - TIMBAúBA » Sapateiros mantêm ofício vivo Produção caiu em relação ao auge registrado nas décadas de 1970 a 1980, mas brechós seguem, em menor quantidade, e buscando inovar

Publicação: 20/06/2018 03:00

Quando Ragner morreu em uma queda de bicicleta, tinha apenas oito anos. Hoje, o nome do menino estampa a placa de uma loja de bolsas e calçados no centro de Timbaúba, na Mata Norte de Pernambuco. Quem fez a homenagem foi a família da criança. O pai, Josenildo Marinho dos Santos, 51, é sapateiro e apalazador, profissional que costura as diversas partes do couro dos sapatos. A profissão, herdou do pai, hoje com 80 anos.

Josenildo sobreviveu à crise da produção calçadista em Timbaúba, cujo auge foi entre as décadas de 1970 e 1980. No momento de maior pico, eram 36 fábricas de sapato registradas, entre elas, 12 de grande porte, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe). Além do 2,5 mil empregos diretos gerados, a cidade produzia algo em torno de 50 mil pares de calçados por dia. Hoje, calcula-se 12 brechós na cidade.

A criatividade salvou Josenildo e a família. Vivendo o furacão da decadência na produção de sapatos e o desemprego em massa nas fábricas, decidiu produzir bolsas também. Aproveitou a saída do emprego e montou um brechó, lugar onde os pequenos produtores confeccionam os calçados, geralmente nos fundos de casa. Aprendeu sobre pastas de executivo de couro na última vaga que ocupou em indústria. Foi sua salvação. Josenildo ainda abriu uma loja junto com a companheira dele, a tal Ragner. Vem dando certo. “Se depender da gente o negócio não vai morrer. Para mim agora tá melhor. Não vivo o medo de perder o emprego como antes”, compara. Ainda emprega o filho e mais três pessoas no brechó.

Perto dali, Samuel Félix da Silva, 49, também dono de brechó, lamenta a pouca produção. “Já cheguei a fazer 480 pares por semana junto com uma equipe. Hoje são 20, 25 pares.” Hoje ele confecciona apenas sandálias baixas, inclusive para lojas de marca do Recife, cujo nome prefere não revelar. Para ele, a produção caiu com a chegada de produtos chineses e por conta da desunião dos sapateiros, que chegaram a ter uma cooperativa. “Meu produto é bem acabado. É só observar. Mas faz três semanas que não produzo nada”, lamentou.

Quem viveu no auge da produção de calçados conta que a falta de modernização do parque industrial e a concorrência dos produtos vindos da China, bem mais em conta, foram os grandes culpados pela derrocada na produção. “Trabalhei no Banco do Nordeste e a agência foi fundamental na época para financiar a cooperativa, mas ela não deslanchou. A filosofia do cooperativismo inexistia”, comentou Daslan Melo, hoje aposentado.

Segundo a historiadora Virgínia Lúcia Moura, a confecção de sapatos surgiu das sobras de couro de celas e arreios comercializados em uma feira de gado semanal que acontecia em Timbaúba na década de 1920. Eram feitas sandálias de tiras e alpercatas. A primeira fábrica foi montada em 1937 pelo empresário Edson Borges da Silva e fechou sete anos depois.