Um bairro pelos versos de Manuel Bandeira No mês em que são lembrados os 50 anos da morte do poeta, ler Evocação do Recife é como passear pelas ruas da Boa Vista

Marcionila Teixeira
marcionila.teixeira@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 27/10/2018 03:00

O casarão 263, de estilo neoclássico, datado de 1825, vence  a passagem dos anos na Rua da União, na Boa Vista. O imóvel pertenceu aos avós do poeta pernambucano Manuel Bandeira e abrigou-lhe quando ele tinha entre seis e dez anos. Na calçada, a frase “As raízes da minha poesia estão na Rua da União” são como uma mensagem de boas vindas para quem adentra a história da cidade pela poesia de Bandeira.

No mês em que são lembrados os 50 anos da morte do poeta, ler o poema Evocação do Recife (1925) é como passear pelas ruas antigas do bairro da Boa Vista a partir de impressões infantis de Bandeira. União, Saudade e Cais da Aurora são algumas das vias citadas nos versos.

A União, onde Bandeira brincava de chicote-queimado, partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas e testemunhava as famílias tomarem as calçadas com cadeiras após o jantar, agora é uma via tomada por carros e estacionamentos de um lado e do outro. As casas, que antes eram residências, viraram prédios mantidos pelo poder público, entre eles, a Polícia Civil e a Fundarpe.

A própria casa onde Bandeira viveu foi transformada no Espaço Passárgada. Mantida pela Fundarpe e tombada como patrimônio histórico em 1983, é dedicada a variadas expressões da cultura. Apesar das fachadas estarem mantidas em grande parte dos imóveis da rua, outros não tiveram a mesma sorte. Um exemplo é o prédio vizinho ao Passárgada, onde teriam vivido as tias do escritor pernambucano José Lins do Rego. O imóvel está totalmente descaracterizado.

Na Rua da União onde, segundo o poema, todas as tardes passava a “preta das bananas com o xale vistoso de pano da Costa, o vendedor de roletes de cana e de amendoim”, estão agora os flanelinhas ofertando o serviço de lavagem de veículos no meio da rua. Carol Aguiar, assessora administrativa do Espaço Passárgada, começou a trabalhar na União há cinco anos. No lugar, descobriu sua admiração pela morte contida na poesia de Bandeira. “Ele via poesia na morte, chamada por ele de a dama branca.”

O poema, dedicado em grande parte à União, também cita a Rua da Saudade, o Cais da Aurora. Os versos enaltecem a beleza dos nomes das vias da capital. “Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...onde se ia fumar escondido. Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...onde se ia pescar escondido. Capiberibe”, diz um trecho do poema.

O poeta e cozinheiro Dácio Gomes, 52 anos, é o dono do Caldácio da Saudade, um comércio de bebidas e caldinho na rua de mesmo nome. Testemunha da última década da rua, Dácio conhece o poema de Bandeira. Hoje, lamenta o estado das calçadas e as metralhas jogadas na rua de forma irregular.

Ao longo do rio, no Cais da Aurora, pescadores que fantasiaram o imaginário de Bandeira teimam na pescaria. “Tô aqui observando, mas eles jogam a rede e não trazem nada. Imagino isso aqui no passado como devia ser farto”, diz o aposentado Ezequiel Ferreira, 48. Morador da periferia de Olinda, costuma vir ao centro para buscar a esposa no trabalho. Enquanto espera, observa a pesca.

Junto dele, coincidentemente, está a estátua de Bandeira. Com uma das mãos danificadas, acompanha o passar do tempo no Recife que o poeta aprendeu a amar ainda na infância.