200 ANOS DIARIO DE PERNAMBUCO » Frei Caneca, o mártir das lutas libertárias Em 1831, DP registrou parte da história de Frei Caneca

JAILSON DA PAZ

Publicação: 07/09/2024 03:00

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O Diario de Pernambuco começa a contagem regressiva para as comemorações do seu bicentenário, festejado em 7 de novembro de 2025. Para marcar o início do calendário, o jornal publica a primeira de uma série de reportagens sobre pessoas que tiveram suas histórias registradas no periódico e se destacaram em diversos campos de atuação. A primeira delas é Frei Joaquim do Amor Divino Rabello Caneca (1779-1825), o Frei Caneca. Outras dezenas de pessoas, de religiosos a políticos, terão suas biografias publicadas. A escolha de Frei Caneca está relacionada à importância histórica do seu nome para Pernambuco e para o Brasil. O carmelita deixou um acervo de obras didáticas e libertárias, produzidas em um dos momentos mais intensos e politicamente conflituosos do país: a Confederação do Equador, movimento em que Pernambuco se declarou independente do império de Pedro I.

O ano, 1831. A edição do Diario de Pernambuco, 197. Em uma das páginas consta o Parecer da Comissão Aprovada pela Sociedade Patriota Harmonisadora, um dos primeiros registros no jornal sobre Frei Caneca. O documento trata o sacerdote católico como um dos pernambucanos “mortos em campanha” ou “assassinados pela tirania”, entenda-se por tirania a forte repressão das forças reais contra os líderes e defensores da Revolução Pernambucana (1817), movimento que resultou na prisão do religioso em Salvador (Bahia), e da Confederação do Equador (1824), que resultou no fuzilamento do frade em janeiro de 1825.

Curioso no parecer é que o reconhecimento da luta do frade, um dos mártires das lutas libertárias no Brasil, vem atrelado ao anúncio de que à comissão cabia confirmar a necessidade de prestar ajuda  financeira para a família do religioso. Família está, segundo o parecer, composta pela mulher e mãe dos três filhos do frade e também por seu pai, Domingos da Silva Rabello. Os filhos do padre eram Joaquim Theodoro da Silva Rebello, Anna da Silva Rebello e Fortunato da Silva Rebello, detalha o documento. No entanto, o nome da mãe das crianças, a quem se devia repassar 16 réis mensalmente, não é revelado.

Datado de 3 de setembro de 1831, o parecer da comissão é assinado por Gervásio Pires Ferreira (1765-1838), Luiz Gomes Ferreira e Luiz Rodrigues Sette. Assim como o frade, Gervásio foi preso durante cerca de quatro anos, na Bahia, pela defesa do ideário liberal, oriundo dos ensinamentos do Iluminismo, e participação na Revolução Pernambucana. Em 1817, o entusiasmo do padre o levou a ser voluntário nas tropas do governo provisório de 1817, chegando a ser enviado pelo capitão-mor Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque para Alagoas.

Ao fazer a introdução do livro sobre os escritos de Frei Caneca, o historiador Evaldo Cabral de Mello afirma que o protagonismo do frade ocorre na última fase de sua vida. O protagonismo, segundo o historiador, começa “com a Revolução de 1817, quando já ia nos 37 anos de sua idade, para circunscrever-se aos derradeiros oito; e como consistiu sobretudo no debate político, pode-se reduzir aos últimos quatro”.

A aproximação entre Frei Caneca e Gervásio Pires perdurou. Livres da prisão na Bahia, em 1821, o carmelita apoiou a Junta Governativa de Pernambuco chefiada por Gervásio Pires, que o nomeou professor da cadeira de geometria na Vila do Recife. A queda da junta empurrou Caneca para a oposição. Tempo depois, intensifica sua participação política durante o governo Manuel de Carvalho Paes de Andrade, que alcança o poder em dezembro de 1823 e proclama a Confederação do Equador em 2 de julho de 1824. A partir da proclamação, uma contestação ao autoritarismo de dom Pedro I em dissolver a Assembleia Nacional Constituinte, o sacerdote consegue o apoio do Ceará, do Rio Grande do Norte e da Paraíba para o movimento.

Uma das constatações é que o tempo da gestão de Paes de Andrade é quase o mesmo da publicação do jornal Typhis Pernambucano, editado por Frei Caneca. De periodiocidade semanal, o Typhis teve a primeira edição no dia 25 de dezembro de 1823 e a última em 12 de agosto do ano seguinte. Foi em agosto que as forças imperiais desembarcam em Alagoas e se dirigem para o Recife. Em novembro de 1924, a Confederação do Equador chega ao fim, com Paes de Andrade fugindo para a Inglaterra e outros líderes sendo presos. Frei Caneca é julgado e condenado à morte, tendo os seus escritos  em favor da liberdade e do sistema republicano pesado para o veredito.

O professor de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), George Cabral afirma que Frei Caneca é “provavelmente o mais importante revolucionário no processo de Independência do Brasil”. Segundo ele, os quatro anos de prisão fizeram o sacerdote radicalizar os posicionamentos em favor das ideias liberais. “O seu principal legado é a obra política, com elementos que são atuais”, frisa. Exemplos são a defesa da participação cidadã nos destinos da nação, da liberdade expressão e de culto e a aposta na educação como poder transformador.
 
Linha do tempo

1779

Nasce no dia 20 de agosto em Recife, filho de Domingos da Silva Rabello e Francisca Alexandrina de Siqueira.

1796

Toma o hábito na Ordem do Carmo e professa os votos no ano seguinte.

1801

É ordenado aos 22 anos, o que exigiu uma dispensa apostólica.

1803

Foi designado professor de geometria e retórica do Convento do Carmo do Recife, onde também ensinou filosofia racional e moral.

1817

Integra a Revolução Pernambucana e é condenado à prisão em Salvador (BA).

1821

Retorna da prisão em Salvador para Pernambuco.

1824

Participa da Confederação do Equador, movimento derrotado pelas forças imperiais e que resulta na condenação à morte do frade.

1825

Fuzilado próximo aos muros do Forte das Cinco Pontas, no Recife.