Gervásio, o defensor da autonomia de Pernambuco
Em agosto de 1830, o deputado Gervásio Pires Ferreira (1765-1836) discursava, no Rio de Janeiro, que "a ladroeira estava na ordem do dia". O relato está na edição 459 do Diario de Pernambuco, publicada no dia 21 de agosto daquele ano, quando o político exercia o mandato de deputado da Assembleia Geral pela legislatura de 1830 a 1833. Filho de família rica, ele nasceu e morreu no Recife
JAILSON DA PAZ
Publicação: 12/10/2024 03:00
As denúncias de roubos e furtos nas ruas da então capital federal, o Rio de Janeiro, e dentro do poder público brasileiro vêm de longa data. Em agosto de 1830, o deputado Gervásio Pires Ferreira (1765-1836) já fazia isso. Em discurso no Rio, o parlamentar afirma que “a ladroeira estava na ordem do dia”. O relato está na edição 459 do Diario de Pernambuco, publicada no dia 21 de agosto daquele ano, quando o político exercia o mandato de deputado da Assembleia Geral pela legislatura de 1830 a 1833.
Ao tratar de Gervásio Pires, o jornal pernambucano fala que existe, segundo os periódicos da Corte, um clamor “contra o espantoso desenvolvimento de quadrilhas de ladrões, que infestam a Capital, e os subúrbios”. A mesma notícia diz que, além das quadrilhas, a Câmara vem identificando delapidações no erário ao examinar “o orçamento da receita, e despesa”. Daí a afirmação do deputado de que “a ladroeira” estava na pauta do parlamento.
Os roubos nas ruas do Rio, completa a edição 459, levou o imperador Pedro I a determinar o reforço do policiamento. “Que os Corpos de segunda Linha da Corte patrulhem todas as noites nos seus respectivos Distritos, empregando para este efeito cada um a terça parte de sua força”, diz.
As citações relacionadas a Gervásio Pires também constam nas atas do Conselho de Governo publicadas no jornal ou em anúncios de compra e venda da época. Ao colocar casas para alugar ou negociar produtos na Rua da Glória, hoje bairro dos Coelhos, as pessoas davam como ponto de referência a fábrica de tecido de Gervásio instalada no logradouro.
Rico comerciante e o primeiro da província a fazer negócios com a Ásia, Gervásio Pires morre em 1836, no Recife, onde os seus patrimônio e lugar de morada continuaram sendo lembrados. O político e a sua família moravam na atual Rua Gervásio Pires, na Boa Vista, antes conhecida como Rua dos Pires. Na edição do Diario de 4 de setembro de 1839, por exemplo, há um apelo para que se apreenda um antigo escravo de Gervásio.
Segundo a descrição, Francisco é da “nação rabollo, cujo escravo foi do falecido Gervasio Pires Ferreira, e apelida-se Francisco de Vera, ora oficial de pedreiro, baixo, cabeça sobre o grande, olhos grandes e abugalhados, um pouco afumaçados, de 23 anos”.
Filho de um rico comerciante, Gervásio Pires nasceu e morreu no Recife. Aos 11 anos se mudou para Portugal, onde foi estudar e retornou definitivamente para Pernambuco em 1809 após a invasão de Lisboa pelas tropas napoleônicas. O retorno ao Brasil, com a família, ocorreu np navio mercante Espada de Ferro, de propriedade de Gervásio. Em 1817, já estabelecido comercialmente em Pernambuco, ele se envolveu com a Revolução Pernambucana.
Acusado de rebelião contra a Coroa Portuguesa, Gervásio foi preso no dia 25 de maio de 1817 e levado para Salvador, na Bahia. O encarceramento durou cerca de quatro anos. Neste tempo, ele ficou ao lado de figuras como o frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, o frei Caneca, padre Francisco Muniz Tavares e Antônio Carlos de Andrada e Silva.
“A experiência da prisão repercutiu de formas distintas entre aqueles homens. Alguns radicalizaram suas posições políticas, outros se afastaram dos movimentos de contestação”, analisa o historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), George Cabral. Nesta última categoria parece ter se enquadrado Gervásio.
A liberdade do comerciante veio em 1821 como consequência da Revolução Liberal do Porto, que exigia o retorno de D. João VI a Portugal. Já livre, em outubro de 1821, Gervásio foi escolhido presidente da Junta Provisória do Governo da Província de Pernambuco. O governo durou apenas um ano, caindo em setembro de 1822.
Na época, o Brasil se dividia entre os que defendiam a ligação com Portugal e o grupo que ficou ao lado de Dom Pedro. A princípio, Gervásio não tomou posição entre as duas forças, desagradando ambos os lados, acreditando que os portugueses dariam maior autonomia política e administrativa a Pernambuco. Mais tarde, ele percebeu o contrário e passou, em agosto de 1822, a se posicionar em favor da independência. Isso, segundo analistas, ocorreu tarde para assegurar a continuidade do seu governo.
Linha do tempo
Ao tratar de Gervásio Pires, o jornal pernambucano fala que existe, segundo os periódicos da Corte, um clamor “contra o espantoso desenvolvimento de quadrilhas de ladrões, que infestam a Capital, e os subúrbios”. A mesma notícia diz que, além das quadrilhas, a Câmara vem identificando delapidações no erário ao examinar “o orçamento da receita, e despesa”. Daí a afirmação do deputado de que “a ladroeira” estava na pauta do parlamento.
Os roubos nas ruas do Rio, completa a edição 459, levou o imperador Pedro I a determinar o reforço do policiamento. “Que os Corpos de segunda Linha da Corte patrulhem todas as noites nos seus respectivos Distritos, empregando para este efeito cada um a terça parte de sua força”, diz.
As citações relacionadas a Gervásio Pires também constam nas atas do Conselho de Governo publicadas no jornal ou em anúncios de compra e venda da época. Ao colocar casas para alugar ou negociar produtos na Rua da Glória, hoje bairro dos Coelhos, as pessoas davam como ponto de referência a fábrica de tecido de Gervásio instalada no logradouro.
Rico comerciante e o primeiro da província a fazer negócios com a Ásia, Gervásio Pires morre em 1836, no Recife, onde os seus patrimônio e lugar de morada continuaram sendo lembrados. O político e a sua família moravam na atual Rua Gervásio Pires, na Boa Vista, antes conhecida como Rua dos Pires. Na edição do Diario de 4 de setembro de 1839, por exemplo, há um apelo para que se apreenda um antigo escravo de Gervásio.
Segundo a descrição, Francisco é da “nação rabollo, cujo escravo foi do falecido Gervasio Pires Ferreira, e apelida-se Francisco de Vera, ora oficial de pedreiro, baixo, cabeça sobre o grande, olhos grandes e abugalhados, um pouco afumaçados, de 23 anos”.
Filho de um rico comerciante, Gervásio Pires nasceu e morreu no Recife. Aos 11 anos se mudou para Portugal, onde foi estudar e retornou definitivamente para Pernambuco em 1809 após a invasão de Lisboa pelas tropas napoleônicas. O retorno ao Brasil, com a família, ocorreu np navio mercante Espada de Ferro, de propriedade de Gervásio. Em 1817, já estabelecido comercialmente em Pernambuco, ele se envolveu com a Revolução Pernambucana.
Acusado de rebelião contra a Coroa Portuguesa, Gervásio foi preso no dia 25 de maio de 1817 e levado para Salvador, na Bahia. O encarceramento durou cerca de quatro anos. Neste tempo, ele ficou ao lado de figuras como o frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, o frei Caneca, padre Francisco Muniz Tavares e Antônio Carlos de Andrada e Silva.
“A experiência da prisão repercutiu de formas distintas entre aqueles homens. Alguns radicalizaram suas posições políticas, outros se afastaram dos movimentos de contestação”, analisa o historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), George Cabral. Nesta última categoria parece ter se enquadrado Gervásio.
A liberdade do comerciante veio em 1821 como consequência da Revolução Liberal do Porto, que exigia o retorno de D. João VI a Portugal. Já livre, em outubro de 1821, Gervásio foi escolhido presidente da Junta Provisória do Governo da Província de Pernambuco. O governo durou apenas um ano, caindo em setembro de 1822.
Na época, o Brasil se dividia entre os que defendiam a ligação com Portugal e o grupo que ficou ao lado de Dom Pedro. A princípio, Gervásio não tomou posição entre as duas forças, desagradando ambos os lados, acreditando que os portugueses dariam maior autonomia política e administrativa a Pernambuco. Mais tarde, ele percebeu o contrário e passou, em agosto de 1822, a se posicionar em favor da independência. Isso, segundo analistas, ocorreu tarde para assegurar a continuidade do seu governo.
Linha do tempo
- 1765 – Gervásio Pires Ferreira nasce em 26 de junho, no Recife, filho do comerciante português Domingos Pires Ferreira e de Joanna Maria de Deus, filha de comerciante.
- 1776 – Vai estudar em Portugal. Primeiro, humanidades no Colégio de Mafra, e depois matemática na Universidade de Coimbra por apenas um ano. Desiste do curso, como também de cursar direito, por sofrer de uma doença oftalmológivo.
- 1792 – Casa-se no dia 08 de julho com a portuguesa Genoveva Perpétua de Jesus Caldas, na Igreja de São Cristóvão, em Lisboa.
- 1809 – Retorna ao Brasil após as tropas de Napoleão invadir a capital portuguesa e D. João VI fugir para o Rio de Janeiro.
- 1817 – Adere ao movimento que resulta na Revolução Pernambucana. No dia 11 de março é designado conselheiro de Estado e, posteriormente, presidente do Erário nacional. É preso em 25 de maio por rebelião e enviado à prisão em Salvador (Bahia), onde fica por quatro anos.
- 1821 – Escolhido governador de Pernambuco no dia 26 de outubro pelas câmaras em funcionamento na província, substituindo o militar português Luiz do Rego Barreto.
- 1836 – Morre no dia 9 de março, no Recife, sendo sepultado na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no bairro da Boa Vista.