Caminho para recomeçar no imprevisível
Diario acompanhou retomada à rotina de Erick Gabriel, de 11 anos, que perdeu parte da mão em dezembro. "O ano vai ser legal", garante
MARÍLIA PARENTE
Publicação: 24/02/2025 03:00
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Erick está pronto para recomeçar |
No dia 12 de dezembro do ano passado, ele perdeu o dedo indicador e uma parte do polegar da mão direita após segurar uma bomba que encontrou nas dependências do Sport Clube do Recife, na Ilha do Retiro, enquanto saía da escolinha de futebol que frequentava gratuitamente graças a uma parceria conquistada por sua escola.
“Eu tava saindo do treino. Quando a gente tava chegando perto da quadra de basquete, eu vi um saco preto com um pouquinho de areia em cima. Aí, botei na boca. Aí, meu amigo me pediu pra dar. Aí, eu disse que não ia dar, não. Aí, chegou lá fora, bati três vezes e explodiu”, lembra Erick.
LAZER
Socorrido pelo Samu, o menino passou oito dias internado no Hospital da Restauração (HR), onde foi submetido a três cirurgias. “Foi muito ruim”, resume. Na comunidade de Caranguejo Tabaiares, onde a família mora, as únicas opções de lazer disponíveis para Erick e seus amigos são o campinho de futebol improvisado pelos próprios moradores e um pé de azeitona, no qual ele também costumava subir para matar o tempo.
Nos últimos meses, em vez das brincadeiras na rua, o menino tem passado boa parte do tempo livre no celular da mãe, se divertindo com aplicativos de jogos ou com as canções do cantor de brega-funk Anderson Neiff.
No aparelho, Erick fica surpreso ao descobrir o que é uma tirolesa, vendo imagens do Parque das Graças, construído pela Prefeitura do Recife no bairro homônimo. “Nunca vi um desses”, relata. Até então, o menino pensava que não gostava de parques. “Oxe, se tivesse um desse aqui, eu ia”, anima-se.
ESCOLA
No início do mês, Erick finalmente voltou às aulas. Com a ajuda do professor, ele tem descoberto uma nova caligrafia, novos traços e novos gestos com os quais têm ressignificado a ausência de uma parte de seu corpo e de seu mundo que se foram. Os antigos desenhos deram lugar a formas mais simples, como círculos, triângulos e quadrados. Apesar disso, ele levanta a parte do polegar que ficou para sinalizar que está tudo bem. “O ano vai ser legal”, garante.
Os primeiros dias na escola foram os piores. “Ele sofreu bullying por causa do jeito que a mão dele ficou. Colocaram um apelido nele”, diz o pai. Segundo ele, até agora, o único apoio com o qual a família tem contado é dos vizinhos da comunidade de Caranguejo Tabaiares. Durante o período em que Erick ficou internado, foram eles que se revezaram no hospital para que a família não ficasse sozinha. “A gente ia e voltava do hospital andando, para economizar. Ou a gente paga passagem de ônibus ou come”, diz Estevão, que trabalha sob demanda para uma fábrica e só recebe pagamento por dia trabalhado.
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Erick precisa de fisioterapia para reaprender a escrever e desenhar com a mão direita |
Para ela, não é só Erick que precisa de terapia. “Meu filho mais novo, de sete anos, disse que ia cortar o dedo para ficar igual ao irmão. Acho que todo mundo aqui em casa está precisando de psicólogo”, completa.
TRATAMENTOS
A advogada Maria Júlia Leonel, representante da família de Erick, afirma que organizou, por conta própria, uma vaquinha, através da qual foram arrecadados R$ 3 mil para custear despesas com alimentação e higiene. Uma geladeira também foi adquirida através de outra mobilização por doações, articulada com o apoio da ONG Novo Jeito, indicada pelo Sport.
Segundo a advogada, foi formalizada uma solicitação para que o clube apoiasse o tratamento. “Pedimos um fisioterapeuta especializado em traumas na mão e uma psicóloga especializada em crianças, para atender tanto Erick quanto os familiares. O Sport não aceitou”, diz.
De acordo com a família, os médicos que atenderam o menino no HR comentaram que, apesar da mutilação, Erick poderia voltar a realizar algumas ações com a mão direita, como escrever. Sem acompanhamento profissional, há receio de que forçar atividades na área atingida pela bomba possa piorar o quadro. A demora do início do tratamento fisioterapêutico também preocupa.
RESPOSTA
Por meio de nota, o Sport disse que colocou a psicóloga do clube à disposição de Erick e que ela realizou uma consulta com ele. “Sobre a fisioterapia, o clube recebeu nesta semana os laudos e pretende montar uma programação para o melhor atendimento”, diz o posicionamento.
Leia a nota do Sport na íntegra: “O Sport Club do Recife informa que continua acompanhando o caso do garoto Erick Gabriel e reafirma seu compromisso em oferecer apoio à família. Para garantir o melhor atendimento possível, o Sport colocou à disposição da família a ONG Novo Jeito, que tem experiência em casos semelhantes. Através da organização, foram ofertados à família uma geladeira nova, além do material escolar para os três filhos.
O Novo Jeito também iniciou o processo de busca de uma recolocação profissional para o pai de Erick Gabriel, mas o processo foi encerrado após a informação de que ele retornou ao emprego antigo.
Por parte especificamente do Sport, foi colocada à disposição do garoto a psicóloga do clube, que chegou a realizar um atendimento. Sobre a fisioterapia, o clube recebeu nesta semana os laudos e pretende montar uma programação para o melhor atendimento. O Sport Club do Recife agradece a todos que têm se mobilizado em apoio a Erick Gabriel e reafirma seu compromisso em continuar oferecendo apoio à família”.