Depressão pós-parto precisa de debate Caso da menina Ana Beatriz, morta em Alagoas, trouxe de volta à discussão, a importância de cuidar da saúde mental das mães

Publicação: 19/04/2025 03:00

Existem três tipos de doença na gravidez e no períodos pós-parto: blues, depressão pós-parto e a psicose puerperal (IKAMAHÃ - AI/SESAU RECIFE)
Existem três tipos de doença na gravidez e no períodos pós-parto: blues, depressão pós-parto e a psicose puerperal

A morte da recém-nascida Ana Beatriz, encontrada dentro de um pote com sabão, no interior de Alagoas, desperta a possibilidade de que a mãe dela, Eduarda Silva de Oliveira, estaria passando por um processo de depressão, ou outro tipo de doença psíquica, que comumente pode acontecer no pós-parto. Até agora, no entanto, nenhum diagnóstico foi divulgado.

De acordo com a obstetra e professora da Universidade de Pernambuco (UPE), Helaine Rosenthal, existem três tipos de alterações que acontecem no puerpério – período após o parto em que o sistema reprodutivo da mulher volta ao seu normal e que pode durar de 6 a 8 semanas. “As mulheres podem sentir uma tristeza, também chamado de blues puerperal; depressão pós-parto ou, até mesmo, a psicose puerperal - que é a mais grave delas”, explica. Neste último caso, os riscos de a mãe cometer suicídio ou matar o bebê são mais altos.

A médica explica que, algumas vezes, a mãe pode já ter algum tipo de doença psíquica, mas que se agrava ou na gravidez ou no pós-parto. “Foi o caso, por exemplo, da história da mãe que ficou famosa no mundo inteiro por ter afogado os cinco filhos em uma banheira nos Estados Unidos e tinha depressão pós-parto e psicose severa”, ressalta Helaine.

Ela se refere ao caso de Andrea Yates – responsável por matar os filhos com idades que variavam de 6 meses a 7 anos em 2001. Andrea chegou a ser condenada à prisão perpétua. Mas na prisão, começou a apresentar sintomas de delírios e foi enviada a um hospital psiquiátrico, onde está até hoje.

AVALIAÇÃO
Para a coordenadora de Psicologia do Centro Universitário UniFBV Wyden, Nádia Oliveira, é possível que a mãe de Ana Beatriz esteja com depressão pós-parto, mas que a confirmação necessita de uma avaliação mais cuidadosa.“Existe a possibilidade. De modo geral, a depressão pós-parto é um transtorno psicopatológico que pode acometer mulheres durante o puerpério. Em uma condição mais grave, pode levar a mãe a ter pensamentos de machucar o bebê e a si mesma, assim como ideação suicida. No entanto, é essencial a realização de uma avaliação mais cuidadosa para confirmar a presença ou não desse quadro”, afirma.

ABALO
De acordo com o delegado Igor Diego, responsável pelo caso, a mãe se mostrou abalada ao prestar depoimento, o que pode ser um indício de que ela cometeu o crime influenciada pelo puerpério. De acordo com as autoridades, ela apresentou versões contraditórias ao longo das investigações.

A Polícia de Alagoas aguarda perícia para determinar a causa da morte da bebê. Além disso, segundo o padrinho da bebê, Pedro Henrique, Eduarda teria tentado se matar com uma faca tipo peixeira, o que desperta ainda mais a possibilidade de depressão pós-parto.

O pai da bebê, Jaelson da Silva Souza, que não chegou a conhecer a filha porque estava trabalhando em São Paulo, disse que a esposa, com que está junto há dez anos, nunca apresentou sinais de agressividade. Ele acredita que Eduarda teve um “surto psicótico”.

MUDANÇAS
“Como é um período que envolve muitas mudanças, é comum que a mulher vivencie períodos transitórios e que envolvam sintomas como tristeza, ansiedade e irritabilidade. É importante ficar alerta para que esses sintomas não se estendam, pois estudos apontam que aproximadamente 1/4 das mães brasileiras sofrem de depressão pós-parto, o que é algo bem expressivo”, destaca a coordenadora de psicologia.

Eduarda confessou que matou a filha asfixiada com um travesseiro, mas disse não saber o motivo. Ela teve a prisão em flagrante convertida para preventiva, na última quarta-feira (16).  De acordo com Nádia Oliveira, os hospitais e maternidades têm avançado na questão de tratamento e identificação desses casos, mas ainda existem relatos de atendimentos inapropriados.

FORMAÇÃO

“É comum ouvir relatos de abordagens inapropriadas de profissionais que não legitimam e acolhem a mãe de forma empática e humanizada. Há muitas questões estruturais atreladas, como sobrecarga de trabalho desses profissionais e a falta de condições”, alerta.

“Uma das formas para contornar esses desafios é o investimento na formação desses profissionais, de modo que possam prestar um serviço mais humanizado e acolhedor para essas mães, a fim de realizar o encaminhamento correto desses possíveis casos”, diz Nádia Oliveira.

A Lei Federal 14.721/2023 amplia o direito de assistência psicológica às mulheres antes, durante e após o parto por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). A lei ainda assegura que a assistência psicológica deve começar ainda no pré-natal e no puérperio.

Além disso, hospitais e estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes públicos ou privados devem desenvolver atividades de educação, conscientização e esclarecimento sobre a saúde mental da mulher durante esse período.