Muito além de uma polêmica nas redes
Os bebês reborn que estão causando comoção por causas dos excessos, podem também servir como apoio psicológico em certos casos
ANNA DULCE NEVES
Publicação: 26/05/2025 03:00
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Em situações de solidão, luto ou algumas demências, os bebês reborn podem servir, inclusive, como estímulo |
Troca de fraldas, alimentação específica, idas ao pediatra… A rotina de pais de bebês recém-nascidos é notoriamente exaustiva, e só pode ser de fato compreendida por aqueles que a experimentam. Nos últimos anos, contudo, outro grupo de pessoas passou a incluir essas atividades no seu dia a dia, dessa vez de uma forma que costumava permanecer na infância: brincando de boneca.
Os bebês reborn, como são chamados bonecos extremamente realistas que podem, inclusive, ser confundidos com crianças humanas, têm tomado conta das discussões online nos últimos tempos. Sua presença na sociedade, embora não seja novidade, ganhou manchetes graças a “adoção” de famosos como o padre Fábio de Melo e a influenciadora Gracyanne Barbosa, além da divulgação de histórias de pessoas que levam a atividade para um lugar considerado por muitos como longe demais.
Na Bahia, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, uma das mais tradicionais de Salvador, emitiu um comunicado afirmando não realizar batismos de bebês reborn. “Os sacramentos da Igreja são atos sagrados e devem ser tratados com o máximo respeito. O batismo, em especial, é um rito solene destinado a pessoas reais, marcando o início da vida cristã. Por isso, não realizamos batismos nem qualquer atendimento religioso relacionado a bonecas “reborn” ou objetos semelhantes. A nossa fé está centrada na vida e dignidade humanas. Agradecemos a compreensão”, divulgou em nota.
Já em Itajaí, no Litoral Norte de Santa Catarina, uma mulher levou um bebê reborn para tomar vacina em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), pedindo que a aplicação fosse simulada para que ela pudesse filmar e postar nas redes sociais. Ao ouvir uma resposta negativa, ela causou uma pequena confusão com os profissionais de saúde presentes no local.
A comoção envolvendo esses brinquedos chegou, inclusive, ao Congresso, com dezenas de projetos de lei que proibem o atendimento de bebês reborn em equipamentos de saúde pública protocolados em casas legislativas de todo o país apenas nas últimas semanas.
COMPORTAMENTOS
O tratamento de bonecos como bebês humanos por adultos, segundo a psicóloga Brunna Lima, pode ter diferentes explicações. “Muitas vezes, o bebê reborn representa a possibilidade de retomar um papel de cuidado, afeto e vínculo que foi central em algum momento da vida — especialmente para mulheres que foram mães ou cuidadoras por longos períodos”, explica, mencionando, ainda, a conexão com memória afetiva e a compensação emocional como causas do comportamento visto com olhos estranhos por grande parte da sociedade.
“Em situações de solidão, luto, síndromes demenciais, ou quadros depressivos, o bebê pode funcionar como um objeto transicional — ou seja, um intermediário entre a fantasia e a realidade, que ajuda a lidar com perdas ou vazios afetivos”, comenta. “Além disso, o brinquedo pode despertar memórias de momentos felizes, ou de fases em que a pessoa tinha um papel mais ativo ou sentido de pertencimento. Para alguns, é uma forma de manter viva a conexão com filhos, netos, ou até com a própria infância”.
Para Brunna, a relação de pessoas adultas com bebês reborn se torna prejudicial quando substitui completamente vínculos humanos – um indicador de possível isolamento social extremo –, ou é marcada por uma negação da realidade, especialmente se há rigidez na fantasia, como tratar o boneco como se fosse um bebê real em todas as situações.
Não é por isso, no entanto, que o apego de adultos com bonecos é sempre uma coisa negativa. “Mesmo nesses casos, o bebê pode funcionar como um recurso terapêutico paliativo, acalmando e organizando a pessoa emocionalmente”, explica a psicóloga. Os bebês reborn, segundo Brunna, podem ajudar por várias vias, incluindo a regulação emocional, quando ajudam a reduzir ansiedade, solidão e angústia, oferecendo uma sensação de companhia.
Casos como esses são vistos frequentemente por Diogo Leal, fundador da loja “O Mundo da Bebe%u0302 Reborn”, localizada no Centro do Recife e dona de quase 30 mil seguidores no Instagram. Em um deles, uma mulher de 70 anos comprou uma bebê reborn para o seu pai, um senhor de 93 anos que lutava contra o Alzheimer. Depois, mandou um vídeo para a loja mostrando os resultados do investimento.
“Ela é quem incentiva ele a comer. Ele agora está calmo, brando, toma banho porque a menina toma banho. Ele está usando fralda, e não queria usar, mas a menina também usa fralda”, conta nas imagens enviadas enquanto mostra todos – inclusive a boneca – sentados à mesa na hora do café da manhã como uma família.