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Banho de Cidadania nas ruas do Recife
Percorrendo locais onde há uma maior concentração de população de rua, o projeto leva higiene e dignidade sempre às quartas-feiras
LARISSA AGUIAR
Publicação: 28/05/2025 03:00
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Os chuveiros foram instalados no ônibus do projeto, oferecendo mais do que banhos |
Às quartas-feiras, quando o centro do Recife começa a esvaziar e o movimento das lojas dá lugar ao silêncio das calçadas, um ônibus azul-claro quebra a rotina da noite. Não transporta passageiros, mas carrega esperança. Nele, funciona o Banho de Cidadania Recife, um projeto social que, desde 2019, oferece banhos quentes, roupas limpas, kits de higiene, cortes de cabelo e refeições a pessoas em situação de rua. Mais que serviços, o projeto distribui afeto, escuta e dignidade.
Criado por um grupo de cinco amigos, o Banho de Cidadania nasceu da inquietação provocada por uma conversa informal. Cassiano Lima, Cesar Guerra, Eric Barbosa, Ewerton Gayo e Thiago Cunha se reuniam quando surgiu o tema: a ausência de políticas públicas eficientes voltadas para pessoas em situação de rua. Em poucos minutos, a conversa virou reflexão, e a reflexão se transformou em ação.
“A gente percebeu que o básico estava faltando. Higiene, comida, saúde, atenção. É impossível pensar em dignidade se a pessoa não consegue nem tomar um banho”, relata Cassiano Silva, um dos idealizadores e atual diretor do projeto. Desde criança, ele já participava de ações sociais ao lado do pai, distribuindo sopas e alimentos. A sensibilidade com as causas sociais cresceu com ele e virou compromisso.
Com recursos próprios e ajuda de poucos parceiros, o grupo desenvolveu o primeiro módulo do projeto, lançado em agosto de 2019. Trata-se de uma estrutura móvel com dois banheiros, reservatórios de mil litros de água e sistema adaptado para atender as necessidades básicas de higiene de quem vive nas ruas. Pouco depois, adquiriram um ônibus, ampliando o atendimento. Hoje, as ações ocorrem sempre às quartas-feiras à noite, e já beneficiaram mais de 50 mil pessoas nesses seis anos de atuação.
ESCUTA
A dinâmica é simples, mas eficaz. O ônibus estaciona em pontos estratégicos da cidade, onde há maior concentração de pessoas em situação de vulnerabilidade. Voluntários acolhem os atendidos. Primeiro, é feito o cadastro. Em seguida, cada pessoa recebe toalha, sabonete, xampu, escova de dentes e tem acesso ao banho. Depois, uma muda de roupa limpa é entregue. Enquanto esperam ou após o banho, os participantes recebem jantar, água, café e pão. Para completar o cuidado, há ainda corte de cabelo e escuta ativa às vezes, o que mais falta é alguém disposto a ouvir.
“Às vezes, o banho é só o começo. A gente vê histórias pesadas, pessoas que não falam com ninguém há dias. Quando conversamos, elas desabam. E isso também é cuidado”, destaca Cassiano. Durante a criação do projeto, os idealizadores identificaram cinco grandes lacunas enfrentadas pelas pessoas em situação de rua: higiene precária, alimentação deficitária, exposição a doenças sexualmente transmissíveis, abandono de menores e distúrbios psicológicos ou dependência química.
“O projeto nasceu de uma indignação. A gente não podia fingir que não estava vendo. Então decidimos fazer algo com o que tínhamos nas mãos”, lembra Cassiano. Com criatividade, disposição e trabalho coletivo, o Banho de Cidadania virou referência e passou a inspirar outras ações semelhantes no estado. Os atendidos deixam o local limpos, alimentados e, principalmente, lembrados.
Embora tenha conquistado muito desde 2019, o projeto ainda sonha alto. O maior desejo, segundo Cassiano, é que, um dia, ninguém precise mais dos serviços oferecidos. A equipe planeja ampliar a estrutura, incorporar novos serviços e fortalecer as parcerias. A ideia é integrar também atendimentos de saúde e assistência psicológica, com apoio de profissionais voluntários. Outra meta é adquirir novos veículos e expandir os atendimentos para outros bairros e municípios da Região Metropolitana.