Perfis nas redes sociais trazem a cidade sob novas perspectivas
Seja para tratar os problemas com muito humor, ou apenas relatá-los, o Recife hoje tem vários ângulos
CARLOS LOPES
Publicação: 19/05/2025 05:00
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Jamil percorre as ruas da Torre, e de bairros próximos, para fazer um serviço pontual de divulgação dessas mazelas |
Como em todo ecossistema, o das redes sociais envolve complexidade, interconexão e influência mútua entre a vasta gama de elementos contidos nele. Ou seja, os perfis. Em algumas passadas de dedo na tela de um celular é possível classificá-los em variados grupos. Em um deles, reside o de pessoas que expõem o seu olhar particular sobre a cidade ou o estado.
É como se suas postagens representassem um tipo de cobertura do cotidiano do local onde moram, embora não façam parte de nenhum veículo de comunicação tradicional. Essa forma de observação e registro do dia a dia acontece por diversas perspectivas e propósitos. Tem os que seguem a linha do ‘jornalismo de bairro’, voltado para a prestação de serviço. Ou os que fazem do humor inteligente e da sátira social - meios de expressar sua cultura e a indignação com as mazelas do meio. E os que não pegam vias transversas. Metem o dedo na ferida e fazem questão de expor a verdade nua e crua do mundo em que vivemos.
TORRE
“Pensei, rapaz, vou fazer uma paginazinha aqui para divulgar as coisas do bairro. O que tá precisando etc”. Esse foi o start para o Torre Notícias. O ano era 2016 e o seu criador, o jornalista Jamil Gomes, trabalhava como assessor de imprensa do Santa Cruz. Como um hobby, ainda no Facebook, o Torre Notícias deu os seus primeiros passos na prestação de serviços. Era um documento achado aqui, um semáforo quebrado ali. Até a pandemia da covid-19 parar o mundo.
“Aí eu passei a me dedicar mais, mesmo trabalhando. Visava prestar um serviço de jornalismo, mas com uma contrapartida. Uma coisa que eu pudesse retribuir de alguma maneira ao bairro onde moro”, contou. “Comecei a entender que, digitalmente, eu precisava de uma série de publicações para poder ter engajamento e a conta crescer. Essa conta realmente cresceu a partir de então. Nunca comprei seguidores, nosso engajamento é totalmente orgânico”, orgulha-se.
Nos nove anos de cobertura, Jamil já filmou, fotografou e publicou dezenas de buracos em vias públicos, árvores caídas, semáforos quebrados, documentos perdidos, campanhas de vacinação. Já cobrou providências da prefeitura do Recife. Algumas, no entanto, são mais marcantes. “Uma das importantes para mim foi o incêndio no Botânico, ali na esquina da Real da Torre, com a José Bonifácio”, recorda Jamil. “A gente fez transmissão ao vivo. Passei quase duas horas ao vivo e teve mais de 50 mil visualizações nessas postagens”.
“Acho que o diferencial do perfil é a busca pela solução do problema. Seja de saneamento, de asfalto, de meio ambiente”. Sentado na cela de sua bicicleta, Jamil bate os quatro cantos da Torre. Às vezes, vai além. Estica até a Madalena, Derby, Graças... E assim ele mostra o bairro, influencia os seus seguidos, mas, como em uma via de mão dupla, é influenciado pela rotina do seu perfil.
HUMOR
Tudo começou com um canal do Youtube, em 2012: o Putzvéi. “Em 2018, eu já estava com a ideia de migrar para o Instagram. Só que eu não sabia o quê. Não queria continuar no mesmo projeto”, relembra o publicitário Gabriel Oliveira, diretor e co-fundador do Recife Ordinário, um perfil que virou referência no humor e crítica social em Pernambuco.
“Acabei tendo a ideia de trazer para cá uma página onde eu falasse e mostrasse um pouco do lado B da cidade, com o que a população consome mesmo no dia a dia”, contou. “Isso, obviamente, com humor, meme, que era o que estava em alta na época. Na primeira semana, a página já tinha mais de 50 mil seguidores”.
Era apenas o começo de um projeto, onde a sátira andava de mãos dadas com elementos da cultura e do orgulho do pernambucano. “A gente teve a ideia de trazer um pouco dos contos da cidade, histórias antigas, o resgate da história do Pernambuco, meu país”, relembra Gabriel. A fórmula do Recife Ordinário deu tão certo que o perfil tem mais de 2 milhões de seguidores.
“Eu imaginava que ia dar certo porque foi muito rápido. Só não imaginava que ia chegar numa proporção dessa, assim, com uma equipe muito grande, com vários artistas juntos dentro da página, produzindo e trabalhando”, reconheceu o publicitário.
“Procuramos colocar um pouco desse humor bem ácido, até libertário. De se desprender e valer a pena o risco da zueira. Vamos zoar, tirar onda. A gente sabe que o que mais incomoda é quando a piada é levada a sério”, apontou.