Uma herança de amor: gerações são unidas pela adoção em PE Para celebrar o Dia Nacional da Adoção, o Diario traz a história de uma família formada pelo coração

LARISSA AGUIAR

Publicação: 24/05/2025 03:00

Francisco se tornou filho de Maria Eduarda e João Guilherme aos dois meses de vida, dando continuidade à história (MARINA TORRES/DP FOTO)
Francisco se tornou filho de Maria Eduarda e João Guilherme aos dois meses de vida, dando continuidade à história


Com a celebração, neste domingo (25), do Dia Nacional da Adoção, Pernambuco mostra porque é referência nacional no tema. Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em 2024, o estado liderou o ranking do Nordeste com 230 adoções, figurando ainda como o sétimo colocado no ranking nacional em número de famílias formadas por laços de afeto, e não por sangue.

Ainda assim, os números mostram um descompasso: são 879 candidatos à adoção em Pernambuco para apenas 134 crianças e adolescentes aptos. No Brasil, 5.240 menores aguardam um lar, frente a 33.389 pretendentes habilitados. Entre a esperança e a morosidade judicial, algumas histórias servem de inspiração.

O advogado Vinícius Melo, especialista em Direito de Família, explica que a maior barreira não é legal, mas de perfil: “Mais de 90% dos pretendentes querem crianças até 3 anos, brancas e saudáveis. Mas a maioria tem mais idade ou problemas de saúde”. Outro entrave é a lentidão na destituição do poder familiar.

UNIÃO
Mesmo com esses desafios, há famílias que não apenas vencem os trâmites, como os ressignificam. Foi os casos de Maria Eduarda Andrade e João Guilherme Peixoto, casal recifense que adotou Francisco, e de Ceres Peixoto, mãe de João, que também o adotou, 41 anos antes. Mãe, filho e neto, unidos não apenas por laços de afeto, mas pelo mesmo ponto de partida: o abrigo que acolheu a todos.

Era um dia comum, café em um restaurante e casa em reforma. Mas bastaram duas crianças ao lado de Maria Eduarda, jornalista e pesquisadora, e João Guilherme, professor e servidor público, para que despertasse o desejo que já existia no coração: ter um filho.

Nenhum deles desejava filhos biológicos, mas algo na construção daquele lar mudou tudo. Com experiência no Tribunal de Justiça, João conhecia os caminhos burocráticos e ele, que foi adotado ainda bebê, nunca viu a adoção como tabu.

“No dia em que minha mãe contou, saí dizendo para todo mundo que tinha superpoderes”, lembra. Assim, o casal mergulhou nos encontros obrigatórios com o Grupo de Apoio à Adoção (GAAD), fez terapia, buscou apoio de uma doula de adoção e se preparou para o que viria pela frente: nada de conto de fadas. Era vida real.

PREPARAÇÃO
Eduarda conta um pouco como foi esse processo. “O acompanhamento é muito importante. Em uma das reuniões, por exemplo, ouvimos uma senhora dizer abertamente que estava frustrada, porque achava que adoção era como ir ao shopping escolher um presente. Isso mostra como o grupo de apoio é essencial”, lembra que, no mesmo local, pessoas de todas as classes econômicas estavam no mesmo barco.

“O que mais me emociona na adoção é isso: no Brasil, quase nada funciona como deveria, mas a fila de adoção é igual para todo mundo. Seja você quem for – ganhe um salário mínimo ou cinquenta –, não há como furar fila. Não importa cor, classe, sobrenome. Todo mundo precisa passar pela mesma preparação. E essa preparação é intensa. Mexe com dores profundas.

Inicialmente, eles queriam um menino de até 5 anos e saudável, mas mudaram de visão. “Entendemos como isso excluía tantas crianças”, diz Eduarda. Em setembro de 2024, receberam a ligação: havia um menino com 2 meses, hospitalizado por bronquiolite, preterido por 100 famílias antes.

“Estávamos viajando quando recebemos a notícia”, diz João. O chamado chegou e, em 48 horas, começava o estágio de convivência. Junto com ele veio o caos, o amor, o puerpério. Eduarda, mesmo sem gravidez, produziu leite e também viu as transformações acontecerem no seu corpo.

COMEÇO
A história de adoção da família Peixoto começa com Ceres, hoje com 78 anos. Professora de Educação Física aposentada, ela enfrentou o preconceito nos anos 1980 para adotar João Guilherme, então um recém-nascido com 48 horas de vida. “Entre ser mulher e ser mãe, escolhi ser mãe”, diz. Preparava enxoval em segredo até a ligação que mudaria sua vida para sempre. “Peguei aquele bebê nos braços e ele segurou minha blusa, naquele momento senti: sou mãe.”

João sempre soube de sua origem, nunca houve segredos. Adolescente, ao se olhar no espelho, perguntou com quem se parecia. “Respondi: com a gente, nas atitudes”. “E ele sorriu e disse que era isso que queria saber”. Hoje, Ceres vê o ciclo se renovar. “Quando me contaram da adoção de Chico, chorei. Sempre quis ter um neto, me sinto hoje rejuvenescida”.

O que une João, Chico e Ceres vai além da parentalidade por adoção. Incrivelmente, João e Francisco vieram do mesmo abrigo. Coincidência que emocionou a família. “É como se aquele lugar guardasse nossa linhagem afetiva”, diz Ceres. “Minha mãe me escolheu. Eu escolhi Chico. Esse é o legado que a adoção deixa: o amor que se escolhe e se perpetua”, finaliza João.