Lugar de criança é distante do trabalho
No próximo 12 de junho, acontece o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, uma realidade que ainda pode ser vista em todo o país
LARISSA AGUIAR
Publicação: 09/06/2025 03:00
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As crianças que atuam nos sinais das grandes cidades também estão sendo privadas de seus direitos fundamentais |
No próximo 12 de junho, Dia Mundial e Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, Pernambuco se une à mobilização nacional para erradicar uma prática que ainda compromete o presente e o futuro de milhares de crianças e adolescentes no estado. Com o slogan “Toda criança que trabalha perde a infância e o futuro”, a campanha de 2025 vai realizar ações concentradas nos municípios com maiores índices de vulnerabilidade.
Segundo procuradora Jailda Eulídia, da Coordenadoria de Infância do Ministério Público do Trabalho (MPT), o principal obstáculo enfrentado em Pernambuco nesse tema é a ausência de informações. “Sem dados reais, não é possível planejar políticas públicas eficientes nem dimensionar orçamentos. Além disso, ainda enfrentamos mitos como ‘melhor trabalhar do que roubar’, que precisam ser desconstruídos com urgência”.
Ela destaca que o trabalho infantil no estado continua presente tanto nas zonas rurais quanto nos centros urbanos. “É uma realidade invisibilizada. Existe subnotificação e naturalização de diversas formas de exploração.” De acordo com dados do Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil (SmartLab MPT/Ipea), o Brasil contabiliza mais de 1,9 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.
Ainda segundo o SmartLab, em 2023, Pernambuco tinha estimados 64 mil crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. O estado aparece entre os que mais registraram acidentes de trabalho envolvendo menores, embora os dados reais provavelmente sejam superiores.
Outro dado mostra que Pernambuco ocupa o 11º lugar no ranking nacional com maior número absoluto de casos. A informação vem da PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023. Municípios como Recife, Jaboatão dos Guararapes, Caruaru, Petrolina e Cabo de Santo Agostinho aparecem entre os que mais concentram notificações de trabalho precoce.
DISTÂNCIA
Jailda enfatiza que os números ainda estão longe de refletir a totalidade do problema. “Muitas atividades não são formalmente registradas ou sequer denunciadas. A criança que lava carro, a que vende balas no sinal, aquela que cuida de irmãos enquanto os pais trabalham, todas elas estão sendo privadas de direitos fundamentais.”
A procuradora também ressalta que a atuação do MPT enfrenta desafios. “Ainda recebemos poucas denúncias de trabalho infantil. Enquanto denúncias de assédio e atraso de salário são mais comuns, o trabalho de crianças continua naturalizado.” Em casos em que a prática é identificada, o MPT atua com firmeza: afasta imediatamente o menor da situação de risco e responsabiliza quem o submeteu, seja por meio de termos de ajuste de conduta ou ações judiciais. “Nosso foco é sempre garantir os direitos e conduzir essa criança para a rede de proteção: escola, atendimento psicossocial, acesso à renda e profissionalização no tempo certo.”
De acordo com a legislação brasileira, considera-se trabalho infantil toda forma de atividade econômica ou de sobrevivência realizada por crianças ou adolescentes com menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14. Mesmo entre os 16 e os 18 anos, é proibido o trabalho noturno, perigoso, insalubre ou nas chamadas piores formas de trabalho infantil, que incluem atividades como exploração sexual, tráfico de drogas, trabalho doméstico e mendicância.
“Há um equívoco muito comum ao pensar que todo trabalho é benéfico. A escola, o esporte e a convivência familiar são os ambientes que ensinam regras, disciplina e valores éticos. Trabalho precoce, ao contrário, expõe a criança à violência, ao aliciamento e à evasão escolar”, explica Jailda “Romantizar o trabalho infantil é ignorar o sofrimento. Muitas crianças recorrem ao álcool ou a drogas para suportar a dureza dessa realidade.”
Durante todo o mês de junho, a campanha nacional investe em ações educativas e peças de comunicação com forte apelo visual. Vídeos produzidos com inteligência artificial trazem personagens fictícios que narram, em primeira pessoa, como perderam a infância para o trabalho.
Em Pernambuco, eventos públicos, formações, oficinas com professores e rodas de conversa em escolas estão sendo realizados com apoio das prefeituras e conselhos tutelares. “A conscientização precisa começar pela base”, pontua Jailda.