O sustento que vem da força do animal
William Martins é um dos carroceiros que atua recolhendo material para reciclagem no Recife e pode ter seu trabalho proibido por lei
Larissa Aguiar
Publicação: 24/06/2025 03:00
Na semana passada, o Recife viveu um novo dia de caos. Dessa vez, o trânsito travou em várias avenidas da cidade com uma cena incomum: dezenas de carroças, puxadas por cavalos e bestas, cruzavam as vias principais em protesto. O motivo era a Lei que proíbe o uso de tração animal nas ruas da capital pernambucana. Mas, por trás desses protestos, existem histórias e famílias, que cruzam esses meios, histórias de vida como a de William Martins da Silva, 36 anos, que a quase uma década depende da reciclagem e da força de seus animais para sustentar a família.
Morador da Zona Oeste do Recife, William começou na reciclagem por influência da sogra e do sogro. Antes disso, já foi auxiliar de serviços gerais e pasteleiro. “Sei fazer qualquer tipo de salgado”, mas hoje, é das ruas e dos resíduos que tira o sustento. Junto com a família, faz da coleta seletiva uma atividade que, apesar das dificuldades, garante entre R$ 2.500 e R$ 3.000 por quinzena.
“Minha filha vai fazer dois anos agora. A reciclagem é o que põe o pão na mesa”, explica. A rotina começa cedo. Ainda de madrugada, o sogro de William alimenta os cavalos. Depois, por volta das 8h, é hora de sair pelas ruas em busca de papelão, garrafas e outros materiais recicláveis. No início da tarde, uma segunda rodada de trabalho acontece. Eles se revezam para não sobrecarregar os animais.
William tem dois companheiros de trabalho especiais: o cavalo Guarani e a besta Paloma. “Minha égua está prenha, então tenho redobrado os cuidados. Só coloco na rua quem está em condição de puxar a carroça com segurança”, afirma. Além da ração e do farelo, os custos giram em torno de R$ 400 por animal a cada sete dias, a família cuida pessoalmente da saúde dos bichos. “Nós mesmos somos os veterinários. Se dá cólica, a gente trata. Temos um gasto fixo com medicamentos também”, diz.
Longe de ser apenas uma atividade de sobrevivência, o trabalho com a carroça já rendeu frutos importantes para a vida de William. Com o dinheiro da reciclagem, ele conseguiu conquistar a casa própria e um carro. “Foi com a carroça que levantei tudo o que tenho hoje”, reforça. O cuidado com os animais é uma herança de família. O avô já criava cavalos, a mãe foi montadora. William seguiu o mesmo caminho, com amor e responsabilidade pelos seus parceiros de jornada.
Os protestos da semana, que bloquearam vias importantes como a Avenida Agamenon Magalhães e a Avenida Norte, foram organizados por carroceiros que, como William, temem perder a principal fonte de renda. O Projeto de Lei que tramita na Câmara Municipal do Recife propõe a proibição gradativa da circulação de veículos de tração animal na cidade. O texto cita a necessidade de proteger os animais contra maus-tratos, mas a categoria argumenta que a medida ignora o impacto social da decisão.
“A gente quer regulamentação, não proibição”, defende William. Ele já chipou seus animais por conta própria, numa ação realizada em Jaboatão dos Guararapes. “Tenho os documentos da minha égua e até do cavalo que já vendi. Foi a primeira vez que recebi um medicamento gratuito pros bichos”, lembra.
Para os carroceiros, o que falta é uma política pública que enxergue também o ser humano. “Não somos contra o cuidado com os animais. Pelo contrário, a gente cuida deles melhor do que cuidam da gente”, dispara. O futuro de William, de Guarani, de Paloma e de centenas de outros segue indefinido.