Maria da Penha: 19 anos da lei que marcou o país Batizada com o nome da mulher que conseguiu fazer a agressão que sofreu virar uma referência internacional, a lei gerou avanços, mas a luta ainda segue

Adelmo Lucena

Publicação: 07/08/2025 03:00


%u201CEu realmente senti a morte quando ele apertou meu pescoço enquanto estava com uma faca na mão%u201D. O terror vivido pela técnica de enfermagem, moradora de Jaboatão dos Guararapes Kelly Araújo, de 48 anos, resultou em uma medida protetiva contra o ex-companheiro por meio da Lei Maria da Penha que, hoje, completa 19 anos da sua vigência.
%u201CTudo começou com a possessividade e com a proibição de falar com outros homens. Eu não podia ir para a academia, não podia trabalhar e nem fazer meu curso. Isso evoluiu para agressões em que ele me dava socos, puxava meu cabelo e me mordia. Aquela questão me adoecia psicologicamente%u201D, relata Kelly. Após ser socorrida diversas vezes por vizinhos e parentes, ela levou o caso para as autoridades policiais e para a Justiça, onde conseguiu uma medida protetiva.
Desde que entrou em vigor, em 7 de agosto de 2006, a lei tornou-se um dos principais instrumentos de combate à violência doméstica e familiar no Brasil. A lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, que se tornou símbolo da luta pelos direitos das mulheres após sobreviver a duas tentativas de feminicídio cometidas por seu então marido.
O caso ganhou repercussão internacional e levou o Brasil a ser condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA por negligência e omissão diante da violência contra as mulheres. A lei prevê medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima, além de políticas públicas de prevenção, assistência e reeducação. Ela também ampliou o conceito de violência, que passou a incluir não apenas a agressão física, mas também a psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Mas, apesar dos avanços, os desafios na área ainda são grandes. Nos primeiros sete meses de 2025, por exemplo, Pernambuco contabilizou 53 casos de feminicídio. No mesmo período de 2024, foram 49 mortes. No que se refere à violência doméstica contra a mulher, foram registrados 32.075 casos nos sete primeiros meses de 2025, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS-PE).
De acordo com a gestão, desde o ano passado, 6.980 mulheres com Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) são acompanhadas pela Patrulha Maria da Penha da Polícia Militar. Entre 2024 e 2025 foram realizadas 33.405 diligências. Neste ano, 518 mulheres ingressaram no programa e 4.829 diligências foram realizadas.
Para alertar as mulheres sobre sinais sutis que podem surgir logo no início de um relacionamento abusivo, a delegada titular do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Tereza Nogueira, lançou, este ano, o livro %u201CBarca Furada %u2013 Analisando o perfil do novo relacionamento%u201D. A ideia nasceu de um desejo antigo de contribuir para a prevenção da violência doméstica. %u201CDesde que comecei nessa área, já carregava dentro de mim um desejo muito forte de deixar uma contribuição nessa área%u201D, explicou a autora.
Diferente de outras obras voltadas à temática, o livro não pretende ensinar sobre leis ou minúcias jurídicas. %u201CFalo sobre o que chamo de %u2018período de experiência%u2019 ou %u2018estágio probatório%u2019. A fase dos três primeiros meses, onde os sinais já podem indicar que aquela mulher está entrando numa barca furada%u201D, explica Tereza.