" O gênio manda que eu diga, a viola manda que eu toque"

Publicação: 04/01/2015 03:00

Repentistas: Pinto do Monteiro com os irmãos Batista (Otacílio, Lourival e Dimas) (ACERVO DA FAMÍLIA/CORTESIA)
Repentistas: Pinto do Monteiro com os irmãos Batista (Otacílio, Lourival e Dimas)

São José do Egito, no Sertão, terra onde a cantoria de viola deu origem a verdadeiras dinastias, está em festa com as comemorações do centenário de Lourival Batista (1915-1992), conhecido na cultura popular como Louro do Pajeú. A cidade recebe uma programação variada de debates, exposições fotográficas, recitais, cantorias e apresentações musicais que vêm acontecendo desde a sexta-feira e só termina na terça, dia 6 de janeiro, centenário do repentista. É na festa que Paulo Câmara (PSB) fará sua primeira aparição pública como governador.

A habilidade de Louro com os versos - que rendeu a ele o título de “rei do trocadilho” - começou aos 15 anos e veio de uma longa linhagem de parentes exímios em cantorias e desafios. Ele foi irmão de dois outros repentistas famosos da região, Otacílio e Dimas Batista, e genro do poeta Antonio Marinho, a Águia do Sertão. “O Pajeú, em Pernambuco, e o Cariri paraibano, em especial a Serra do Teixeira, são regiões que têm uma ancestralidade nesse sentido. O registro mais antigo do primeiro cantador no
Nordeste é dos fins do século 16, na Serra do Teixeira, e esse homem era um ancestral de Louro”, explica Antonio Marinho, neto do repentista e organizador das comemorações, além de membro do grupo musical Em Canto e Poesia. A mãe dele, Bia, também vive da cantoria e tem 30 anos de carreira.

Embora tivesse morado no Pajeú durante boa parte da vida - com um intervalo decisivo no Recife, onde estudou na adolescência e decidiu ser cantador ao ver um cego improvisando no Mercado de São José - a atuação de Louro não se limitou à região. “A geração dele levou a cantoria aos grandes centros urbanos do Brasil e a países da América Latina, como Argentina e Bolívia. Em 1946, o Teatro de Santa Isabel foi o primeiro a abrir espaço para a cantoria de viola, com Pinto do Monteiro e os irmãos
Otacílio e Louro. Ele teve para a cantoria a dimensão que Luiz Gonzaga teve para o forró, uma importância desbravadora, porque valorizou a profissão e criou os oito filhos a partir de seus versos e improvisos”, detalha Marinho.

A importância de Louro do Pajeú não ficou restrita ao tempo no qual ele viveu. Segundo o poeta, violeiro, cantador e mestre de maracatu Adiel Luna, cuja família é do Cariri paraibano e segue a tradição da cantoria de viola, até hoje ele é referência tanto como artista quanto como pessoa. “Quando era pequeno, meu pai me levou para ver Louro cantar em um mercado. Ele era um ícone e, hoje, o tenho como referência de um estilo mais brejeiro, que ia desde uma erudição até a sabedoria mais pura do nosso povo. Até hoje ninguém sabe explicar como ele criava”.

Para assegurar que a obra do cantador não se perca, foi fundado, há um ano e meio, o Instituto Lourival Batista, que vai funcionar na casa onde ele morou com a esposa, Helena. Seu acervo está em fase de catalogação e a ideia, segundo Marinho, é a de abrir o espaço à cidade, com uma exposição de objetos pertencentes a Louro e com a realização de oficinas. “Temos textos, fotos, instrumentos, objetos e livros já lançados. Ele é nosso farol, mas se não fizéssemos nada, a casa viraria um mausoléu”, finaliza Marinho.

Vida e obra

A obra de Louro do Pajeú chegou a ser registrada ao longo de sua vida, tanto em LPs quanto em livros que exaltam a sua capacidade de criação. Segundo o neto, Antônio Marinho, ao menos 5 discos foram lançados, fora sua participação em coletâneas e antologias de música popular do Nordeste. Um dos álbuns, chamado Os três irmãos Batista, reúne versos de Lourival e de seus irmãos Dimas e Otacílio. Já o escritor Alberto da Cunha Melo lançou o livro Um certo Louro do Pajeú, assim como o pesquisador Aleixo Leite, que escreveu Louro do Pajeú, o rei dos trocadilhos, e o pesquisador e poeta Ivo Mascena Veras é autor de Lourival Batista Patriota.

Festa

100 anos de poesia. Tudo que reluz é Louro!

Hoje

Espaço João Macambira
15 às 17h - Debate A revelação da oralidade, por Chico Pedrosa e Dedé Monteiro
Bodega Job Patriota
17h30 às 19h30 - Recital com Nõe de Job, Lançamento de livro O Sertão onde eu vivi, de Zelito Nunes e cantoria com Mocinha de Passira e Louro Branco em Homenagem a João Furiba Mambembe
Matriz de São José
19h30 - Missa do Cantador, celebrada por Pe. Luisinho
Palco Zá Marinho
21h às 2h - Apresentações de Bráulio Tavares, Bia Marinho, Vital Farias e Vates e Violas com homenagem a Zé de Cazuza


Amanhã

Espaço João Macambira
15 às 17h - Debate O legado de Louro, por Ésio Rafael, Pedro Américo e Raimundo Branco
Bodega Job Patriota
18h às 20h30 - Vozes e Versos; recital com Graça Nascimento e Cida Pedrosa; lançamento dos livros Linguaraz, Viagem de Joseph Língua e Ficção em Pernambuco, de Pedro Américo
Palco Zá Marinho
21h30 às 2h - Recital 8 ou 80: Letícia Moraes e Chico Pedrosa, Ednardo e Em Canto e Poesia

Terça

Instituto Lourival Batista
3h30 - Vigília poética
Bodega Job Patriota
12h - Confraternização com Baião de Dois
14h às 18h - Cantorias com Geraldo Amâncio e Sebastião da Silva, Zé Cardoso e Severino Feitosa, Valdir Teles e Diomedes Mariano; lançamento do livro Mosaico de Reflexões, de Gustavo Ferrer, mesa de glosa em homenagem a João Paraibano, apresentação de Cordas em Retalhos e As Severinas; Microfone aberto: espaço livre para criação