Luiza Maia
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Publicação: 23/09/2015 03:00
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Leve foi a primeira montagem com audiodescrição e Libras a cumprir temporada no estado |
Quando receberam o convite do festival Palco Giratório, do Sesc, e da audiodescritora Andreza Nóbrega para inserir audiodescrição, as bailarinas Maria Agrelli e Renata Muniz, do espetáculo Leve, nunca tinham participado de uma produção com recursos de acessibilidade. “Foi muito potente para mim enquanto artista, mas a experiência me ampliou enquanto pessoa”, define Maria. A partir de então, todos os solos do grupo contam com o recurso.
Leve foi a primeira montagem com audiodescrição e Libras a cumprir temporada no estado, no Teatro Hermilo Borba Filho, em 2010. Antes, foram encenados projetos menores, como A menina que contava estrelas e A morte do artista popular, ambos sob tutela do professor da UFPE Francisco Lima, que é cego.
De lá para cá, embora esporádicas, as iniciativas atentas às pessoas com deficiência têm se popularizado. No ano seguinte, a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém passou a oferecer audiodescrição e intérprete de Libras, por iniciativa da Superintendência Estadual de Apoio à Pessoa com Deficiência (Sead). O Funcultura, principal edital de fomento do estado, recomenda estratégias de inclusão desde 2011.
A negativa repercussão entre os produtores inspirou a audiodescritora Liliana Tavares a escrever o livro Notas proêmias: Acessibilidade comunicacional para produções culturais. “A receptividade tem melhorado”, analisa Liliana, que capacitou funcionários de museus neste ano. Ela, produtora do festival de cinema VerOuvindo, e Andreza Nóbrega são as idealizadoras das duas principais empresas de acessibilidade cultural no estado: a COM Acessibilidade e VouVer, respectivamente. “Para cada barreira, há uma tecnologia”, acredita Andreza, autora da primeira pesquisa de mestrado sobre o assunto em teatro do país.
Vários espetáculos, como Lepetit, do Circo Godot, e festivais locais têm se adaptado, aos poucos, às necessidades das pessoas com deficiência. “Ainda não posso dizer que o Janeiro de Grandes Espetáculos seja acessível. É só uma parte”, lamenta a produtora Paula de Renor. Em parceria com o programa Arte Sem Limites, do British Council, foram encenados no Recife Let me stay, com Libras e audiodescrição, em 2015, e If these spams could speak, audiodescrito, em 2014.
“Quando nos sensibilizamos com relação à acessibilidade, acabamos assumindo-a como compromisso”, reforça Maia Aida Barroso, do elenco da ópera O pescador e sua alma e professora de música da UFPE. O sentimento é compartilhado pela atriz Agrinez Melo, da companhia O Poste Soluções Luminosas, cuja sede é adaptada para cadeirantes. “A gente direciona pelo menos uma sessão dos espetáculos para ser acessível”, defende.
O festival Conte Outra Vez tem intérprete de Libras desde a primeira edição, em 2012, mas demorou para conseguir atrair os surdos. “No início, um ou dois compareciam, mas o número foi aumentando”, revela a produtora Camila Puntel. Recentes, as montagens acessíveis esbarram na dificuldade de formação de público, mas têm conquistado produtores e espectadores sempre que realizadas.
Na agenda
Caminho da pedra
Exposição com 20 esculturas de Demétrio Albuquerque tem mediadores capacitados para audiodescrição e fica em cartaz de quarta a sexta, das 12h às 20h, e aos sábados e domingos, das 14h às 20h, na Galeria Janete Costa (Parque Dona Lindu). “É incrível acompanhar a visita, a forma do toque, de ler a obra, muito sutil e intensa. É muito importante não deixar de ‘fora’ uma parte da população”, defende a produtora Adah Lisboa.
De Íris ao arco-íris
Crianças surdas eram o público-alvo desde a concepção da peça sobre uma lagarta cujo sonho é chegar ao reino encantado. Com técnicas de teatro de objetos, bonecos e sombras, será encenada com audiodescrição e intérprete de Libras no dia 23 de setembro, no festival Aldeia Yapoatan, às 13h30 e 15h30, após passar por Ceará, Santa Catarina, Mato Grosso e Acre.
Animage
Em vez da oficina de stop motion para surdos, como no ano passado, o festival de animação, previsto para outubro, vai promover um curso para crianças autistas, além de sessões com audiodescrição.
Multiplicando
olhares
Ensaio aberto do espetáculo Leve, no dia 3 de outubro, às 15h, na programação da oficina Multiplicando Olhares sobre o corpo que dança, ministrada por Maria Agrelli, Renata Muniz e Silvinha Góes (foto) para crianças e adolescentes com e sem deficiência. Haverá outros três encontros, ainda sem data definida, no Coletivo Lugar Comum (Rua Capitão Lima, 210, Santo Amaro).
I Encontro
de Educação
Musical e Inclusão
Oficinas, palestras, mesas-redondas e apresentações musicais acessíveis, no Departamento de Música da UFPE, entre os dias 16 e 20 de novembro. Promovido pelo Laboratório de Educação Musical Especial
e Inclusiva.
Livros falados
Os livros Contos negreiros e Angu de sangue, do escritor de Sertânia Marcelino Freire, foram gravados pelo próprio autor e lançados pela editora Livro Falante. “Todo mundo que me acompanha por aí sabe que eu adoro ler meus contos. Eu costumo dizer que escrevo em voz alta. Registrar em áudio é como se eu tivesse fazendo ‘teatro falado’, ‘novela de rádio’”, conta ele, prestes a registrar verbalmente também Nossos ossos. “Tenho dois amigos queridos que são deficientes visuais e ouviram o meu livro e gostaram da interpretação e do ritmo dos contos”, comemora. Autor de Fernando Pessoa: Uma quase autobiografia, uma das obras mais importantes sobre o português, José Paulo Cavalcanti Filho publicou pela Universidade Falada audiolivro distribuído em bibliotecas públicas e instituições para deficientes visuais de todo o país.