João Gordo abre o porão Biografia do cantor e apresentador de televisão revela a infância sofrida, as incursões extremas pelo vício nas drogas e a mudança de vida pelo punk

AUGUSTO FREITAS
augusto.freitas@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/12/2016 03:00

Trinta e cinco anos atrás, a banda Ratos de Porão começava a traçar uma trajetória de sucesso no movimento punk rock brasileiro. À frente dos roqueiros, estava um vocalista com estrondosa potência vocal, intensidade demonstrada nos excessos nos palcos e fora deles. O Brasil conheceu um ícone punk, mas não tinha tanta ideia de quem era João Francisco Benedan, o João Gordo, na intimidade. A espera acabou.

Com a colaboração do jornalista e amigo André Barcinski, João Gordo escancarou a própria vida de forma sincera e bem-humorada, características, aliás, conhecidas do artista. Sem papas na língua, João Gordo: viva la vida tosca (DarkSide Books, 320 páginas, R$ 59,90) mostra os caminhos tortuosos da infância à fama na música do hoje apresentador do programa de entrevistas Eletrogordo, exibido no Canal Brasil.

Durante quase 18 meses, Barcinski colheu depoimentos do artista, de familiares, da esposa de João Gordo, a argentina Viviana Torrico (Vivi), de amigos e ex-companheiros de banda. No livro, o rockeiro narra, em primeira pessoa, os primeiros anos da infância na Zona Norte de São Paulo, a relação traumática com o pai, um sargento da Polícia Militar, a entrada na banda de punk rock, o estrelato, a chegada à TV, e, obviamente, os excessos no consumo de drogas, álcool e afins.

“As pessoas carregam uma imagem bastante caricata minha e muito disso se deve ao que era apresentado a elas pela mídia, de um cara gordo, doidão e que cantava aos berros letras pesadas, de protesto, provocação. Muitos mal me conhecem”, explicou, em entrevista ao Viver. “Pensei em vários [títulos para a obra], mas achei este engraçado, até certo ponto cínico. Foi a vida que eu vivi, tosca, intensa, mas verdadeira”, pontuou.

Nas 320 páginas do livro, recheadas de palavrões, situações hilárias e imagens, o leitor terá a chance de conhecer registros de momentos de profunda tristeza do artista, nos quais o único caminho para dissipar as dores e frustrações foi a música. O livro tem prefácio da escritora e apresentadora Fernanda Young, que descreve João como uma figura inteligente e sagaz.

A capital pernambucana está na rota de lançamentos da biografia. “Eu sempre fui bem recebido em Pernambuco, mano, existe um carinho monstro por essa galera”, afirma o cantor de punk rock.

Serviço

João Gordo: Viva la vida tosca, de André Barcinski e João Gordo
Darkside Books, 320 páginas, R$ 59,90

Entrevista - João Gordo // cantor

Como surgiu a inspiração para embarcar nesse projeto literário, escancarando o íntimo do roqueiro João Gordo e do homem João Francisco Benedan?
A biografia do Tim Maia [Vale tudo – o som e a fúria de Tim Maia, escrita pelo jornalista, compositor e produtor Nelson Motta] me inspirou bastante. Somos parecidos nesse lado autêntico de ser, falar o que pensa, bem escrachado e até nos excessos. Quando li a biografia dele, me senti no mesmo universo, polêmico, mas real e transparente de um lado meu que muita gente desconhece. Eu escutava as músicas do Tim Maia e me inspirava para contar minha história.

No livro, você detalha a relação familiar com o seu pai, Milton, diante de uma rigidez na educação que o levou a buscar no rock uma válvula de escape para os problemas em casa, o que acabou, como você mesmo diz, revelando a sua identidade. Como foi essa convivência?
Difícil, repleta de conflitos intensos e violentos. Meu pai era sargento da Rota (unidade especial da Polícia Militar de São Paulo), então havia uma disciplina militar, era tipo quartel na minha casa, tudo era certinho no modelo de educação que ele achava correto. Ele tinha um temperamento explosivo. As 7 anos, tomei um cacete de cinto que me deixou gago até hoje, ficou um trauma. Levei surra de todo jeito que você imaginar. Passamos uns 20 anos sem nos falarmos. Mas houve momentos bons também.

Durante anos, você foi um símbolo de exageros na alimentação, no álcool, nas drogas e no tabagismo. Lembra-se do auge dessa fase pesada? Quando você tomou consciência de que não era mais possível prosseguir naquele estilo de vida?
Eu cheguei a pesar 210 quilos e nessa época não tinha mais nada a perder, vivia uma vida louca no sentido mais letal que possa ocorrer. Três maços de cigarro por dia, drogas pesadas, bebida e nenhuma noção de como minha saúde estava. Em 2000, fiquei internado 25 dias em uma UTI e a partir daí eu passei a enxergar que não dava mais pra viver daquela forma. Há 16 anos, quando a Vivi se declarou pra mim, aí eu vi que ou tomava jeito ou morria.

Você se submeteu a uma cirurgia de redução do estômago em 2003. Depois, casou e teve dois filhos, atualmente com 12 e 11 anos. Como é seu estilo de vida hoje depois do fim dos excessos e do surgimento da família?
Tenho 52 anos e busco levar uma vida saudável. O nascimento dos meus filhos modificou a visão da vida que eu tinha e hoje tento fazer tudo diferente do que vivi em casa com meu pai. Sou um exemplo do que meus filhos não devem fazer. Deixei de comer carne vermelha, me tornei vegetariano e mudei certos hábitos alimentares. Bebo uma cerveja raramente e cortei cigarro. Hoje tenho uma estrutura familiar que me permite viver com mais equilíbrio