Um talento sem limites Ferreira Gullar participou de parcerias marcantes da Música Popular Brasileira e emprestou sua voz a narrações de obras cinematográficas

Publicação: 05/12/2016 03:00

Poeta consagrado e referência da sua geração, Ferreira Gullar também prestou relevantes contribuições à Música Popular Brasileira. O resultado de suas composições, como nas demais áreas da arte, foi de sucesso. A mais popular letra, Borbulhas de amor em parceria com Fagner, cruzou gerações brasileiras sempre presente na música popular. Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Ney Matogrosso foram alguns que cantaram ou se aventuraram em parcerias com Gullar.

A popularidade que Borbulhas de amor (1991) deu a Fagner também rendeu novo reconhecimento a Gullar, dono da canção, que é uma versão Burbujas de amor, do dominicano Juan Luis Guerra. Em entrevista a ‘O Globo, Fagner disse ter entregue a missão a Gullar depois que viu o potencial sucesso que teria a versão. Acertou. Os versos “Quem dera ser um peixe/Para em teu límpido aquário mergulhar/Fazer borbulhas de amor pra te encantar/Passar a noite em claro/Dentro de ti”, se transformaram em um grande sucesso radiofônico para o cantor e compositor cearense e tornaram-se uma das marcas registradas de um artista que, àquela altura, já tinha uma sólida carreira de quase duas décadas.

A parceria foi tão intensa que Fagner ainda tenta até hoje colocar melodias e transformar em música os poemas de Gullar. Assumiu ter perdido uma grande batalha: tentava incessantemente convencê-lo a reescrever a história e repetir o sucesso nacional com uma versão de outra música de Juan Luis Guerra, Frío, frío. Não houve tempo.

As incursões de Gullar na música começaram bem antes do encontro com Fagner. Em 1968, a “parceria” com Caetano Veloso já daria definitivamente o atestado de grande compositor a Gullar com Onde andarás. Era o primeiro LP individual de Caetano, um dos primeiros passos da Tropicália e integrar a história da MPB. A música, porém, não teria sido pensada para ele, com quem Gullar sequer tinha contato. Foi para Maria Bethânia, que a repassou.

“Onde andarás nesta tarde vazia/Tão clara e sem fim/Enquanto o mar bate azul em Ipanema/Em que bar, em que cinema te esqueces de mim?”, diza a letra, gravada para o seminal disco Caetano Veloso, que trazia, entre outras faixas, Alegria, alegria e No dia em que eu vim-me embora.

Já em 1996, o motor criativo de Gullar não parava de girar. Entregou Solução de vida para o álbum Bebadosamba de Paulinho da Viola. Antes disso, em 1981, escreveu Bela bela para o álbum Caçador de mim de Milton Nascimento e Trenzinho do caipira, que brilhou na voz de Ney Matogrosso.

Cinema
Gullar Teve também seu nome ligado à sétima arte. Não apenas em filmes feitos em sua homenagem, ou sobre sua obra, mas como narrador em filmes importantes. Sua voz de locutor prestava-se muito bem à posição do narrador e, por isso, a ocupa em duas obras-primas como Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho, e Imagens do inconsciente, de Leon Hirszman.

Esta segunda obra debruça-se sobre o trabalho artístico dos internos no Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, sob direção da doutora Nise da Silveira. Gullar tinha particular interesse sobre o assunto, até mesmo por razões pessoais (tem um filho diagnosticado como esquizofrênico). Escreveu, em 1996, o ensaio biográfico Nise da Silveira - uma psiquiatra rebelde sobre essa revolução tanto na psiquiatria como nas artes brasileiras. Nise e Gullar partilhavam também convicções ideológicas: ambos pertenceram ao Partido Comunista (Nise foi presa no Estado Novo).

Gullar emprestou sua voz a muitos outros filmes, como O Aleijadinho e Brasília, Contradições de uma cidade nova, ambos de Joaquim Pedro de Andrade.

Ele está presente como depoente ou testemunho em vários filmes como Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Suzana Moraes, e Câncer, de Glauber Rocha, no qual pode ser visto numa longa sequência na abertura. Imagens preciosas de um jovem Ferreira Gullar (o longa de Glauber é de 1968). Aparece também em Vinícius, de Miguel Faria Jr., O velho - a história de Luiz Carlos Prestes, de Toni Venturi, Vida provisória, de Maurício Gomes Leite, Poeta de sete faces (vida e poesia de Carlos Drummond de Andrade), de Paulo Thiago, e A paixão segundo Callado, de José Joffily.

Por outro lado, o poeta é personagem principal do documentário Ferreira Gullar - a necessidade da arte, de Zelito Viana, filme que debate suas ideias sobre o desenvolvimento das artes plásticas e a necessidade humana da fruição do belo. (Com Agência Estado)

Biografia

10 de setembro de 1930
Ferreira Gullar nasce em São Luís (MA) e é batizado como José Ribamar Ferreira. É um dos onze filhos do casal Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart.

1948
Adota o nome Ferreira Gullar, homenageando também o sobrenome da mãe, Alzira Ribeiro Goulart

1949
Publica sua primeira obra, Um pouco acima do chão, depois renegada pelo autor

1950
Com o poema O galo, vence concurso promovido pelo Jornal de Letras, tendo no júri Manuel Bandeira, Willy Lewin e Odylo Costa Filho.

Década de 1950
Trabalha na revista Manchete, no Diário Carioca e no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil

1951
Muda-se para o Rio em 1951, onde conhece o escritor Oswald de Andrade. Trabalha em O Cruzeiro

1956
Participa da I Exposição Nacional de Arte Concreta no Masp, em 1956

1957
Distancia-se dos irmãos Campos, com quem trocaria críticas, por vezes ásperas, pelas décadas seguintes. O rivalidade teve seus últimos capítulos neste ano

1958
Redige o Manifesto neoconcreto, publicado no Jornal do Brasil, e assinado também por Lygia Pape, Franz Waissman, Lygia Clark, Amilcar de Castro e Reynaldo Jardim

1961
Assume a direção da Fundação Cultural de Brasília, no governo do presidente Jânio Quadros

Passa a trabalhar na sucursal carioca de O Estado de S. Paulo. Publica João Boa-Morte, cabra marcado para morrer e Quem matou Aparecida?

1964
Filia-se ao Partido Comunista e funde o grupo Opinião, com Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes

1966
Brilha, ao lado de Oduvaldo, como autor da a peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, que conquista os prêmios Molière e Saci

1968
É preso, juntamente com Paulo Francis, Caetano Veloso e Gilberto Gil, em 13 de dezembro

1971
Exila-se em Moscou (Rússia). Partiria depois para Santiago (Chile), Lima (Peru) e Buenos Aires (Argentina)

Década de 1970
Colabora com O Pasquim como Frederico Marques

1975
Publica Poema sujo, que chega ao Brasil gravado em uma fita trazida por Vinicius de Moraes

1977
Retorna ao Brasil dois anos antes da Anistia

1985
É premiado com o Molière pela versão de Cyrano de Bergerac

1989
Publica o conjunto de ensaios Indagações de hoje, sobre a cultura brasileira

1992
Assume a direção do Instituto Brasileiro de Arte e Cultura

1994
Fica viúvo de sua primeira esposa, a produtora e pesquisadora de música popular brasileira Thereza Aragão

1997
Passa a viver com a poeta Cláudia Ahimsa

1999
Lança Muitas vozes e ganha o Prêmio Jabuti de poesia

É inaugurada, em São Luís, a Avenida Ferreira Gullar

2002
É indicado por nove professores dos Estados Unidos, Brasil e Portugal ao Prêmio Nobel de Literatura

2007
O livro Resmungos ganha o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano.

2010
É inaugurado o Teatro Ferreira Gullar, em Imperatriz (MA)

2014
É eleito imortal na Academia Brasileira de Letras

Homenagens

“Ele deixa o que se conveciona dizer ‘obra’, mas nem todo mundo deixa de verdade uma obra. Ele deixou uma sólida, forte, inovadora e, ao mesmo tempo, acessível, nada hermética”
Nélida Piñon, romancista  

“Uma grande perda para as letras e para a sociedade brasileira. Seu livro Poema sujo foi uma revelação”
Luis Fernando Verissimo, escritor

“O Brasil perdeu um dos maiores intelectuais que já produziu, que toda semana escrevia um artigo sobre os descaminhos dessa nação com lucidez e coragem”
Fagner, cantor

“Ferreira Gullar deixa um vazio imenso na literatura nacional. Perdemos um poeta de primeira grandeza”,”
Michel Temer, presidente da República

“Decreto luto oficial no Maranhão, em razão do falecimeto de Ferreira Gullar, que nunca
exilou-se daqui”
Flávio Dino, governador do Maranhão

“Até já, querido poeta”
Adriana Calcanhoto, cantora

“O Brasil e o mundo choram hoje a perda do imortal poeta Ferreira Gullar. Mas, na cidade que ele escolheu para viver, a dívida de gratidão é ainda maior”
Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro

“Grande tristeza. Morre Ferreira Gullar. Sinto como brasileiro e amigo”
Roberto Freire, ministro da Cultura

“Morre com Ferreira Gullar o maior poeta brasileiro da atualidade. Ele era a referência da melhor poesia brasileira, com poemas que ficarão indeléveis na língua portuguesa”
José Sarney, ex-presidente e escritor

“Sua trajetória de vida era refletida em sua obra, que nos tocava profundamente. Para sempre essa obra viverá no coração e em livros que eternizam na impressão de suas palavras, os pensamentos de um dos maiores poetas brasileiros”
Luis Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro

“Pode-se dizer que ele foi um dos mais importantes poetas brasileiros, principalmente pelo trabalho na crítica de arte contemporânea. No campo poético, ele já era emblemático para a arte, mas se mostrou um grande crítico quando fez um dos primeiros e melhores estudos sobre Augusto dos Anjos”
Ângelo Monteiro, poeta e filósofo

“Poeta de referência. Seu livro Poema sujo é o grande guia da minha e de várias gerações de leitura de poesia. Poeta que melhorou e inovou a poesia, com experimentos concretistas”
Ronaldo Correia de Brito, escritor