Em alguma parte do eterno Poesia, teatro, literatura e música perdem Ferreira Gullar, um dos mais importantes literatos do Brasíl nas últimas seis décadas

Publicação: 05/12/2016 03:00

O escritor, poeta e teatrólogo Ferreira Gullar morreu na manhã de ontem, no Rio de Janeiro, aos 86 anos. Gullar estava internado há 25 dias no Hospital Copa D’Or, em Copacabana, Zona Sul do Rio, com insuficiência respiratória e pneumonia.

Um dos mais importantes nomes da história da literatura brasileira, Gullar passeou por vários campos da expressão poética, literária e crítica, quase sempre com forte tom político. Avesso a rotulações binárias, usualmente se colocava no sentido contrário ao do poder em questão.

Seu primeiro livro, depois renegeado pelo autor, foi Um pouco acima do chão, em uma edição do autor em 1949. Cinco anos depois, veio A luta corporal, este já com os primeiros esboços da poesia esteticamente ambiciosa em que ele trabalharia incansavelmente até Em alguma parte alguma e Bananas podres, dois de seus livros mais recentes.

Nascido José de Ribamar Ferreira, em São Luís (MA), em 10 de setembro de 1930, Gullar dividiu os anos da infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no Rio Bacanga. Ele considerava ter vivido numa espécie de paraíso tropical. Quando chegou à adolescência, ficou chocado em ter de tornar-se adulto e virar poeta.

Gullar primeiro colocou seu nome na história da poesia brasileira ao figurar, ao lado dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, na Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, marco inicial do movimento concretista. Porém a contribuição foi breve: em fevereiro do ano seguinte, Gullar publicou um artigo no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil questionando as teses do movimento, e o rompimento viria em seguida. A disputa entre “concretos” e “neoconcretos” influenciou gerações e se prolongou por décadas. Este ano, Augusto e Ferreira Gullar trocaram cartas agressivas pela Folha de S. Paulo.

Em 1976, Gullar lançou seu trabalho mais célebre, o Poema sujo - cem páginas de poesia na sua mais alta expressividade política. Símbolo de resistência à ditadura militar, o poema chegou aos brasileiros primeiro por uma fita que pertencia a Vinicius de Moraes, trazida de Buenos Aires, onde Gullar estava exilado. Seu último livro foi Autobiografia poética e Outros textos, lançado este ano.

Colecionador de prêmios, venceu o Machado de Assis da Biblioteca Nacional em 2005, e o Camões, o mais importante da língua portuguesa, em 2010. Era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2014 - após anos dizendo que não aceitaria a honraria.

Presente na música, através de parcerias com nomes como Fagner, Milton Nascimento e Caetano Veloso, também atuou com destaque no teatro. Após o golpe militar, ele e um grupo de jovens dramaturgos e atores fundaram o Teatro Opinião, que teve importante papel na resistência democrática. Nesse período, escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída?.

Ferreira Gullar deixa dois filhos, oito netos, e a companheira e também poeta Claudia Ahinsa. O corpo está sendo velado desde as 17h de ontem no saguão da Biblioteca Nacional, no Rio. O velório continuará hoje, a partir das 9h, na Academia Brasileira de Letras, de onde o corpo sairá por volta das 15h para o mausoléu da ABL no Cemitério São João Batista.

O presidente da academia, Domício Proença Filho, determinou luto de três dias. A ABL marcou a Sessão de Saudade para a quinta-feira, quando serão prestadas homenagens a Ferreira Gullar. Assim que for encerrada a sessão, estarão abertas, pelo período de um mês, as candidaturas daqueles que desejarem lhe suceder na cadeira 37. (Agência Brasil e Agência Estado)