A princesa que amava o Brasil D. Leopoldina - A história não contada, de Paulo Rezzutti, traz à tona aspectos pouco conhecidos da arquiduquesa que adotou o país e foi decisiva para a Independência

texto: Ana Clara Brant
Especial para o Diario
edviver@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 06/05/2017 03:00

A primeira vez que a arquiduquesa Leopoldina da Áustria teve familiaridade com uma nação chamada Brasil foi em julho de 1815, na cidade termal alemã de Baden-Baden. Ela ainda nem era a escolhida para se casar com o então príncipe dom Pedro I, mas já teve a primeira impressão do país que seria a sua nova casa. “Na primeira tarde, fomos ver Krainer; a irmã nos deu a alegria de mandar buscar uma família de negros que mora defronte a ela e pertence à criadagem do emissário português, acho-os muito amáveis e espirituosos e me dei muito bem com eles; nasceram no Brasil e falam sua língua materna, que soa esquisita”, descreve em carta ao pai, o imperador Francisco I. “Esse foi o seu primeiro contato com os brasileiros. Um ano depois, Leopoldina estaria se preparando para a sua nova terra”, relata o escritor e pesquisador Paulo Rezzutti, que acaba de lançar D. Leopoldina – A história não contada: a mulher que arquitetou a Independência do Brasil.

A biografia revela facetas desconhecidas daquela que se tornou famosa como a esposa traída de Pedro I. Entre as novidades, a obra conta que, desde criança, a arquiduquesa, que pertencia a uma das casas reais mais importantes do mundo, a Áustria, nutria um forte desejo de conhecer a América. Uma nobre europeia, a baronesa de Montet, nas suas memórias chegou a afirmar: “Ela era muito instruída e amava apaixonadamente a botânica; a ideia de um mundo novo, de uma natureza tão diferente à da Europa, sorria-lhe ao extremo; chegamos a saber que há muitos anos ela sonhava conhecer a América”.

Rezzuti mostra a importância da princesa e o papel fundamental em questões nacionais, incluindo a independência. Utilizou documentos e imagens inéditas, como o diário da condessa Maria Ana von Kühnburg (1782-1824), nobre austríaca que acompanhou Leopoldina na viagem de Viena ao Rio de Janeiro; desenhos e pinturas da Hispanic Society of America, de Nova York; e imagens do arquivo de Franz Josephn Frühbeck (artista amador e membro da comitiva austríaca), hoje pertencente ao Instituto Moreira Salles. “Quando fiz meu primeiro livro sobre a Marquesa de Santos, uma coisa puxou a outra. Pesquisei muitas coisas e, quando vi, tinha material vasto para falar sobre dom Pedro I e Leopoldina. Uma das coisas curiosas é que rodei a Europa atrás desse diário da condessa e fui descobrir que ele estava bem aqui, em São Paulo, no Instituto Hercule Florence”, conta.

O lançamento da publicação coincide com um momento importante da nossa história, os 200 anos da chegada de Leopoldina ao Brasil. A princesa não se conteve quando avistou o Rio de Janeiro: “Nem pena nem pincel podem descrever a primeira impressão que o paradisíaco Brasil causa a qualquer estrangeiro (…), na entrada da baía há três belos fortes, além de vários grupos de ilhas, ao longe vislumbram-se altíssimas montanhas cobertas de palmeiras e muitas outras espécies de árvores”.

“Ela realmente amou o Brasil e dizia que a única coisa que a incomodava eram o calor infernal e os mosquitos. Leopoldina abraçou nossa terra como se fosse dela. Para mostrar que estava abrindo mão de tudo e que queria realmente se tornar a princesa do Brasil e de Portugal, adotou o Maria no nome, já que as cunhadas todas tinham essa denominação. Costumo brincar que o Dia do Fico dela foi antes de dom Pedro. Leopoldina estava mais decidida pelo Brasil e pelos brasileiros do que o próprio marido”, diz Rezzuti autor de Titília e o Demonão: cartas inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos, entre outros .

Extremamente culta e com ótima formação, a mãe do futuro imperador Pedro II foi figura política importantíssima para o Brasil e se tornou uma das articuladoras do movimento pela permanência de dom Pedro no país. Mais do que isso, revelou-se estrategista do processo de independência, o que surpreendeu o escritor. “Ela acabou usando, no bom sentido, os homens. Tanto dom Pedro quanto José Bonifácio (naturalista, estadista e poeta paulista conhecido como o Patriarca da Independência). Leopoldina não se expõe totalmente na política porque sabe que ali é lugar masculino. Mas consegue o que quer justamente através dos homens”, analisa.

O pesquisador acrescenta que, apesar dos problemas na intimidade - já que Pedro I era conhecido por suas amantes –, ele reconhecia a importância da mulher e ouviu opinião dela várias vezes. “Ela tinha um pensamento político superior ao dele e era mais preparada. E dom Pedro sabia disso. A falta da esposa - ela morreu antes dele, em 1826, aos 29 anos - fez ele tomar decisões nada acertadas que precipitaram sua saída do poder, quatro anos após a morte de Leopoldina. Ele confiava tanto na princesa que a colocou como regente algumas vezes durante sua ausência”, ressalta.

Por isso, Leopoldina é considerada a primeira mulher a governar o Brasil. Era ela quem estava no poder no Rio de Janeiro, quando dom Pedro proclamou a Independência às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo. “Acredito que sua história, assim como de outras figuras femininas importantes, ficou desconhecida porque a história é contada por homens. E ainda mais na política, território masculino por excelência. Isso está mudando, ainda bem. O que a gente sabia sobre Leopoldina é que ela era uma santa, melancólica, enquanto a Marquesa de Santos era a prostituta. E não só. Leopoldina foi estadista, esposa que abdicou do sonho de voltar para a Europa em prol de uma causa maior”, resume n

Serviço

D. Leopoldina - a história não contada: a mulher que arquitetou a independência do brasil. De Paulo Rezzutti, Editora LeYa, 432 páginas, R$ 51.