Ininterrupto
Multiartista pernambucano Montez Magno chega a seis décadas de trajetória em plena produção. Dono
de uma erudição invejável, ele é referência para gerações de artistas
ISABELLE BARROS
isabelle.barros@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 25/11/2017 03:00
O ano de 1957 foi decisivo para o artista Montez Magno. Mudou-se do Recife para Olinda com o intuito de estabelecer seu ateliê - foi o primeiro artista a fazê-lo -, conheceu Aloisio Magalhães e realizou a sua primeira exposição individual na galeria do Instituto dos Arquitetos do Brasil. Nestes 60 anos de carreira, dividida entre artes visuais e literatura, o artista se consolidou como avis rara no cenário artístico pernambucano. Dono de uma erudição invejável e contemporâneo em uma época na qual vários de seus colegas ainda abraçavam o regionalismo, Montez, de 83 anos, continua em plena produção. Ainda assim, gosta de manter reservas quanto a ela. “Não gosto de ser fotografado na arte de pintar”, avisa.
A inclinação de Montez para as artes visuais foi, em si, um desvio de rota. Nascido em Timbaúba, mas criado no Recife, o artista teve uma formação intelectual enriquecida pelo pai, também poeta. “Nunca pensei em ser artista plástico, expressão que não gosto, nem pintor. Eu me preparava para estudar letras e filosofia. Em 1950, comecei a fazer poesia e só passei a pintar quatro anos depois. Houve um fato, no entanto, que me transformou. Fiquei intermediando pintura e poesia, mas vi que uma coisa prejudicava a outra. A poesia, por conter palavras e pensamentos, está na ordem conceitual e isso entrava em choque com a pintura”. Mesmo assim, o movimento pendular esteve presente ao longo da sua trajetória artística.
Os indícios de que Montez traçaria uma trajetória singular para si mesmo ecoam desde o início de seu trabalho. A abstração se tornou uma característica de sua produção inicial, já a partir das monotipias feitas sob a orientação de Aloisio Magalhães no Gráfico Amador, ainda no final dos anos 1950. A conexão com Pernambuco e com o Nordeste acontece muito mais a partir da absorção do espírito do tempo artístico que se anunciava no mundo inteiro a partir dos anos 1960. Na década, Montez também se entregou à experimentação com outros suportes. “A partir de 1966, passei a fazer objetos. Isso foi uma reviravolta muito grande, porque eu tinha um viés modernista e passei a ser contemporâneo”, aponta. Isto coincide com sua mudança de Pernambuco para São Paulo, em 1962, e por suas passagens pela Espanha e pelo Rio de Janeiro. A volta ao Nordeste acontece apenas em 1970, quando assume disciplina na Universidade Federal da Paraíba.
As séries Notassons (1970-1972) e Cromossons (1994), consideradas pelo artista como música aleatória ou poesia visual, confirmam o caráter múltiplo de seu trabalho. As notas musicais são substituídas por signos visuais com ritmo próprio, e seu interesse pelo geométrico também está presente em uma das séries de pintura mais marcantes, Barracas do Nordeste, que teve três ciclos. Nela, se embrenhou pelos festejos populares e percebeu o valor pictórico. “Percebi que era tudo cheio de geometria. Tirei fotos, documentei e fiz a série. Reconheço que muitas das barracas são superiores à maior parte do meu trabalho”.
A aproximação com a palavra veio antes da intimidade com a imagem e esse impulso primordial pela escrita se traduziu em vários textos críticos e em doze livros, todos editados por ele mesmo. É a seara de sua atuação que ainda espera mais atenção de pesquisadores. Em sua residência em Casa Forte, rodeado de livros de poetas como o francês Paul Celan e o persa Rûmî, a pulsão pelas letras segue forte. “Estou fazendo força para não fazer absolutamente nada, mas é difícil. Neste ano, disse que não ia fazer nada, mas fiz 24 telas em três meses. Ao mesmo tempo, me sinto puxado para a literatura. Quero fazer algo que não tenha o mesmo diapasão do que já foi escrito. Quase toda noite me sento e leio algum poeta de que gosto. Começo a elaborar versos e vou dormir”.
Montez se vê como pessoa aberta à interação com as mais variadas correntes de pensamento artístico. O interesse em acompanhar a obra de outros artistas e elaborar um discurso sobre eles mostram isso, a seu ver. “Sou influenciado como todo mundo é. Você pode sofrer influência não só de pessoas, mas de coisas. Eu já disse tudo, mas posso dizer de outra maneira”.
"Conheci Montez Magno durante a 2ª Bienal de Arte da Bahia e as obras dele me chamaram a atenção. Depois vim a conhecê-lo por intermédio do artista Humberto Magno. Ficamos muito amigos e considero Montez um dos pilares do meu trabalho. Ele me abriu para uma arte diferente da que tinham me mostrado, outros conceitos além do figurativo. Ele tinha uma superbiblioteca,
tinha viajado e o olhar dele, as informações que ele me passou, foram definitivos para mim. Ele deve ser reconhecido pela importância e seriedade do que executou, principalmente ao fugir de normas artísticas tão usadas aqui. Moramos longe um do outro, mas ele faz parte da minha vida."
Iza do Amparo, Artista Plástica
[ Para conhecê-lo
Enquanto Respiro (2013)
Exemplo de sua produçao literária, o livro de poemas de Montez Magno é coletânea de escritos seus entre 2002 e 2007, além de traduções poéticas de nomes como Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire e William B. Yeats.
Montez Magno Memorabilia - Crítica de arte e outros escritos (2012)
Publicação organizada por Itamar Morgado compila escritor do artista sobre arte, seja em linhas gerais, seja sobre artistas locais, e traz depoimentos de pessoas que conviveram com ele.
Montez Magno (2010), de Clarissa Diniz (organizadora), Paulo Herkenhoff e Luiz Carlos Monteiro
Obra faz uma análise da atuação de Montez Magno e é ricamente ilustrada com obras de todas as suas fases.
[ Coleção memória
Montez também é um dos futuros homenageados pela Coleção Memória, publicada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A responsável por escrever seu perfil biográfico é a jornalista e crítica de arte Olívia Mindêlo, e a previsão de lançamento é para março de 2018. A pesquisa durou dois anos, e a publicação está nos ajustes finais de revisão. O artista também aguarda retrospectiva sua a ser realizada no Museu de Arte do Rio (MAR) em 2019, que pode itinerar para a Pinacoteca do Estado, em São Paulo.
A inclinação de Montez para as artes visuais foi, em si, um desvio de rota. Nascido em Timbaúba, mas criado no Recife, o artista teve uma formação intelectual enriquecida pelo pai, também poeta. “Nunca pensei em ser artista plástico, expressão que não gosto, nem pintor. Eu me preparava para estudar letras e filosofia. Em 1950, comecei a fazer poesia e só passei a pintar quatro anos depois. Houve um fato, no entanto, que me transformou. Fiquei intermediando pintura e poesia, mas vi que uma coisa prejudicava a outra. A poesia, por conter palavras e pensamentos, está na ordem conceitual e isso entrava em choque com a pintura”. Mesmo assim, o movimento pendular esteve presente ao longo da sua trajetória artística.
Os indícios de que Montez traçaria uma trajetória singular para si mesmo ecoam desde o início de seu trabalho. A abstração se tornou uma característica de sua produção inicial, já a partir das monotipias feitas sob a orientação de Aloisio Magalhães no Gráfico Amador, ainda no final dos anos 1950. A conexão com Pernambuco e com o Nordeste acontece muito mais a partir da absorção do espírito do tempo artístico que se anunciava no mundo inteiro a partir dos anos 1960. Na década, Montez também se entregou à experimentação com outros suportes. “A partir de 1966, passei a fazer objetos. Isso foi uma reviravolta muito grande, porque eu tinha um viés modernista e passei a ser contemporâneo”, aponta. Isto coincide com sua mudança de Pernambuco para São Paulo, em 1962, e por suas passagens pela Espanha e pelo Rio de Janeiro. A volta ao Nordeste acontece apenas em 1970, quando assume disciplina na Universidade Federal da Paraíba.
As séries Notassons (1970-1972) e Cromossons (1994), consideradas pelo artista como música aleatória ou poesia visual, confirmam o caráter múltiplo de seu trabalho. As notas musicais são substituídas por signos visuais com ritmo próprio, e seu interesse pelo geométrico também está presente em uma das séries de pintura mais marcantes, Barracas do Nordeste, que teve três ciclos. Nela, se embrenhou pelos festejos populares e percebeu o valor pictórico. “Percebi que era tudo cheio de geometria. Tirei fotos, documentei e fiz a série. Reconheço que muitas das barracas são superiores à maior parte do meu trabalho”.
A aproximação com a palavra veio antes da intimidade com a imagem e esse impulso primordial pela escrita se traduziu em vários textos críticos e em doze livros, todos editados por ele mesmo. É a seara de sua atuação que ainda espera mais atenção de pesquisadores. Em sua residência em Casa Forte, rodeado de livros de poetas como o francês Paul Celan e o persa Rûmî, a pulsão pelas letras segue forte. “Estou fazendo força para não fazer absolutamente nada, mas é difícil. Neste ano, disse que não ia fazer nada, mas fiz 24 telas em três meses. Ao mesmo tempo, me sinto puxado para a literatura. Quero fazer algo que não tenha o mesmo diapasão do que já foi escrito. Quase toda noite me sento e leio algum poeta de que gosto. Começo a elaborar versos e vou dormir”.
Montez se vê como pessoa aberta à interação com as mais variadas correntes de pensamento artístico. O interesse em acompanhar a obra de outros artistas e elaborar um discurso sobre eles mostram isso, a seu ver. “Sou influenciado como todo mundo é. Você pode sofrer influência não só de pessoas, mas de coisas. Eu já disse tudo, mas posso dizer de outra maneira”.
"Conheci Montez Magno durante a 2ª Bienal de Arte da Bahia e as obras dele me chamaram a atenção. Depois vim a conhecê-lo por intermédio do artista Humberto Magno. Ficamos muito amigos e considero Montez um dos pilares do meu trabalho. Ele me abriu para uma arte diferente da que tinham me mostrado, outros conceitos além do figurativo. Ele tinha uma superbiblioteca,
tinha viajado e o olhar dele, as informações que ele me passou, foram definitivos para mim. Ele deve ser reconhecido pela importância e seriedade do que executou, principalmente ao fugir de normas artísticas tão usadas aqui. Moramos longe um do outro, mas ele faz parte da minha vida."
Iza do Amparo, Artista Plástica
[ Para conhecê-lo
Enquanto Respiro (2013)
Exemplo de sua produçao literária, o livro de poemas de Montez Magno é coletânea de escritos seus entre 2002 e 2007, além de traduções poéticas de nomes como Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire e William B. Yeats.
Montez Magno Memorabilia - Crítica de arte e outros escritos (2012)
Publicação organizada por Itamar Morgado compila escritor do artista sobre arte, seja em linhas gerais, seja sobre artistas locais, e traz depoimentos de pessoas que conviveram com ele.
Montez Magno (2010), de Clarissa Diniz (organizadora), Paulo Herkenhoff e Luiz Carlos Monteiro
Obra faz uma análise da atuação de Montez Magno e é ricamente ilustrada com obras de todas as suas fases.
[ Coleção memória
Montez também é um dos futuros homenageados pela Coleção Memória, publicada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A responsável por escrever seu perfil biográfico é a jornalista e crítica de arte Olívia Mindêlo, e a previsão de lançamento é para março de 2018. A pesquisa durou dois anos, e a publicação está nos ajustes finais de revisão. O artista também aguarda retrospectiva sua a ser realizada no Museu de Arte do Rio (MAR) em 2019, que pode itinerar para a Pinacoteca do Estado, em São Paulo.