Desbravar é preciso Profissionais ligados ao teatro em Pernambuco encaram a missão de descentralizar a atividade cênica no estado e criam espaços em regiões periféricas pouco familiarizadas com o segmento artístico

texto: ISABELLE BARROS
isabelle.barros@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 17/02/2018 03:00

A grande concentração de casas de espetáculos, sejam elas tradicionais ou “alternativas”, no centro da cidade, tornou-se uma característica acentuada no cenário teatral do Recife. Quando acontecem espetáculos e intervenções nos subúrbios da capital pernambucana ou nas cidades da Região Metropolitana, as ações são, em sua maioria, pontuais. Mesmo assim, há grupos e artistas que investem tempo e energia em fincar suas sedes em locais onde o teatro e a dança são lembranças muito distantes. Eles lidam com falta de dinheiro, um esforço dobrado para terem suas ações conhecidas, mas procuram soluções e parcerias para continuar existindo.

O início da atividade desses grupos está, muitas vezes, intimamente ligado à falta de espaços para ensaios ou à falta de pautas para apresentar suas criações. O diretor Luiz Manuel, integrante do Coletivo Caverna, recorreu, literalmente, a uma solução caseira para driblar as dificuldades no seu trabalho. Ele ocupou uma casa em Ouro Preto, Olinda, que era do seu pai, e fez dela sua morada e local de criação que funciona de forma totalmente independente.

Antes reservado para as atividades de seus oito integrantes, o coletivo fez uma reforma em suas instalações e começou a abrir espaço para ações como oficinas e parcerias com outros grupos de teatro. Para Luiz, é hora de encarar  de forma otimista esse impulso de descentralização. “Queremos aproveitar essa oportunidade para fomentar ações no bairro e formar crianças e adolescentes. Temos um lugar grande, com uma boa acústica, então podemos ensaiar vários formato de espetáculo. No futuro, a ideia é criar uma ilha de edição e produzir cada vez mais arte. Quero ceder a casa totalmente para o coletivo e fazer do primeiro andar, onde moro atualmente, um local de residências artísticas”, afirma.

Também em Olinda, o Galpão dos Sonhos, no bairro de Santa Tereza, trava uma luta diária para manter suas portas abertas. O local foi aberto pelo contador Irineu Correia, que participa há anos da vida teatral da Cidade Patrimônio. Segundo Andréa Veruska, integrante do Coletivo Nexto e, atualmente, uma das gestoras, o local serve para movimentar o ambiente artístico da cidade. “Aqui em Olinda não havia nenhum espaço cultural voltado para as artes cênicas em atividade. Todas as opções de teatro estão no Recife”.

A aprovação no edital do Funcultura 2018 para a reforma do espaço deve dar um novo fôlego ao Galpão dos Sonhos. “O galpão é mantido com o dinheiro de Irineu, a partir do sonho dele. Estamos, eu e Wagner Montenegro, desde 2014 nesta equipe, e agora vamos ter uma estrutura menos distante do ideal para atender à comunidade. Também vamos poder intensificar a cessão do espaço para outros grupos ensaiarem e também realizar apresentações”.

As dificuldades para se manter um espaço alternativo em um bairro distante do centro geográfico da cidades podem se avolumar de tal forma que fica impossível continuar. Essa experiência foi vivida pela Trupe Artemanha, que alugou este ano um espaço na Várzea, Zona Oeste do Recife, intitulado Galpão CITTA, mas o entregou em outubro. “Escolhemos a localidade por conta de seu movimento cultural e pela proximidade da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em São Paulo, ocupamos um imóvel no bairro do Campo Limpo, também longe do centro, pois temos essa política de não ceder à especulação imobiliária. Ensaiávamos o dia inteiro e queríamos abrir o espaço para oficinas e palestras”.

As atividades do grupo foram transferidas de São Paulo para o Recife em 2016 e seu fundador, Luciano Santiago, fala da frustração de ficar sem espaço para ensaiar e se apresentar. O local chegou a abrigar a temporada do espetáculo mais recente da trupe, Hamlet fragmentado?. “Ao ocupar o local, descobrimos que teríamos de gastar um dinheiro considerável com reformas e ainda precisávamos de um tempo para o grupo se tornar conhecido. Recuamos diante dos gastos de manter nossas atividades e ainda pagar as contas do espaço. No Recife, não existe uma política pública para a manutenção de grupos, algo muito prejudicial para o setor. Precisamos de um lugar para fazer uma pesquisa continuada. Isso não se consegue sem estrutura. Por isso, queremos estabelecer parcerias com outros grupos e encontrar formas de continuar nosso trabalho”.

Outros grupos, como o D’Improvizzo Gang (DIG), formado em 1991, optaram por ter uma estrutura mais enxuta e flexível. Paulo Michelotto, professor aposentado de teatro da UFPE e a atriz e bailarina Pollyanna Monteiro estão entre os membros fixos do coletivo, cujo ponto de encontro está localizado na casa de ambos, em Candeias, Jaboatão dos Guararapes. Antes de Michelotto se desligar da universidade, muitas das rodas de improviso ocorriam no Centro de Artes e Comunicação (CAC). “Precisava de um local para as reuniões do DIG e não desejava nenhum daqueles casarões velhos da cidade. Além de custarem caro, a maior parte não tem boas condições de funcionamento. Na verdade não há mais um só centro, e na região das praias não há absolutamente nada, além do Sesc Piedade. Trabalhamos em frente ao mar azul lá no fundo”.

O grupo tem um número de pessoas sempre flutuante, mas conta, atualmente, com doz integrantes. O coletivo tem diversas produções em seu currículo, e investe em ensaios e apresentações nas ruas e em ensaios em espaços abertos, para além do apartamento em Candeias. Para Michelotto, na verdade, o aprofundamento da descentralização das artes cênicas é a chave para trazer público e ser mais visível para a sociedade. “O teatro se quiser sobreviver terá que percorrer essas cidades. Talvez nas ruas, praças, metrôs”.

Onde ficam

Coletivo Caverna

Endereço: Rua Estrela do Mar, 60, Ouro Preto, Olinda
Informações: 3439-2171

Galpão dos Sonhos
Rua Duarte Coelho, 261, Santa Tereza, Olinda
Informações: 99985-5002

DIG - D’Improvizzo Gang
Informações: 99777-2297