Coelho rompe silêncio de 45 anos sobre Raul Livro de Jotabê Medeiros sugere que cantor entregou à ditadura o amigo, que sempre suspeitou de traição

LUCAS BRÊDA
edviver@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 24/10/2019 03:00

Quando conheceu Raul Seixas, Paulo Coelho via com desconfiança o aspirante a roqueiro interessado em ETs. Juntos, eles desenvolveram o interesse pela magia, criaram uma sociedade famosa e compuseram músicas até hoje eternas no rock brasileiro. Também enfrentaram a ditadura. Uma história dos dois com a polícia política, aliás, estava oculta até agora – a de que Raul pode ter entregado Coelho aos militares.

A sugestão aparece no livro Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida, do jornalista Jotabê Medeiros, com lançamento previsto para o próximo dia 1º. O caso, segundo a obra, aconteceu em maio de 1974, quando Raul e Coelho desfrutavam do sucesso de Krig-ha, Bandolo!, disco lançado no ano anterior e que já tinha mais de 100 mil cópias vendidas. Ontem, Paulo Coelho revelou que sabia da possibilidade de ter sido delatado pelo parceiro musical e amigo. “Fiquei quieto por 45 anos. Achei que levava o segredo para o túmulo”, escreveu no Twitter.

Segundo Medeiros, Raul havia sido chamado para depor no Dops, o Departamento de Ordem Política e Social da ditadura militar, e ligou para o amigo para acompanhá-lo e ajudá-lo a dar esclarecimentos sobre músicas que haviam feito em parceria. Coelho não sabia, mas essa não era primeira vez, naqueles dias, que Raul ia ao prédio.

De acordo com o que o jornalista conta no livro, Raul entrou na sede do órgão, ficou lá por meia hora e retornou tentando dar algum recado cifrado ao amigo, que o esperava. Coelho não entendeu e foi chamado ao interrogatório, que incluiu perguntas sobre o livreto que acompanha o disco Krig-ha, Bandolo! e a Sociedade Alternativa cantada por Raul.

A polícia foi até o apartamento do escritor e prendeu sua namorada, Adalgisa Rios. No dia seguinte, Coelho pegou um táxi com Raul, mas foi capturado e levado a um lugar desconhecido, onde sofreu torturas por duas semanas. “Raul evitou Paulo por um ano depois do acontecido”, conta Medeiros. “Paulo não tinha convicção das coisas, não pensava nisso, estava amedrontado, como talvez esteja até hoje.”

A relação entre os fatos vem de um documento obtido pelo jornalista no Arquivo Público do Rio de Janeiro. “Acredito que, na maioria das vezes, as pessoas foram atrás da questão da censura às letras e não prestaram atenção aos motivos das audiências.”

Fernando Morais, autor de O mago, biografia de Paulo Coelho, teve acesso ao documento. “Vi pela primeira vez alguns dias atrás”, diz. “O que me chamou a atenção foi saber que o temido e superinformado Doi-Codi [Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna] imaginava que o Paulo fosse militante do PCBR [Partido Comunista Brasileiro Revolucionário], sendo que ele nunca foi filiado a nenhum grupo armado. É possível que ele nem sequer soubesse o que era o PCBR.”

O próprio Paulo Coelho teve acesso ao documento recentemente. Mas os papéis oficiais não são conclusivos. O texto diz que, “por intermédio do referido cantor”, no caso, Raul, seria possível chegar a Paulo e Adalgisa. Para Morais, alguém delatou os artistas à polícia, mas não tem certeza de que o informante foi Raul. “Entre a produção do documento e a prisão de Paulo e Gisa decorrem 36 dias”, diz. “Por que o Doi-Codi levaria tanto tempo para localizar e prender um ‘militante do PCBR’ e uma ‘militante do PC do B’ que não estavam na clandestinidade, tinham endereço certo, trabalhavam e frequentavam a universidade?” (Folhapress)