O início, o fim e o meio da parceria

Publicação: 24/10/2019 03:00

Jotabê Medeiros crê que Coelho “não tem a menor dúvida, hoje, após ver o documento, de que Raul o entregou”. A relação de Raul Seixas e Paulo Coelho começou a azedar a partir daquele ano. Depois de um tempo sem se falar, voltaram a colaborar no período que foi o auge da carreira do cantor. Nos anos seguintes, Raul lançou Gita (1975), Novo Aeon (1976) e Há 10 mil anos atrás (1978), alguns de seus discos mais importantes.

As colaborações entre os dois foram rareando, e Paulo começou a trabalhar com diferentes cantores, como Rita Lee. Mas o que os afastou de vez foi a entrada de ambos para a seita do sacerdote Marcelo Motta, inspirada nas ideias do ocultista britânico Aleister Crowley. Juntos, compuseram, por exemplo, a muito conhecida Tente outra vez.

“O conflito começou quando Paulo abandonou a seita à qual aderiram juntos”, diz Medeiros. “Paulo crê que Raul mergulhou fundo demais naquele ideário e eles passaram a se estranhar. Paulo não tinha mais paciência para os jogos de doutrinação da seita. Raul, mais hábil e maleável, adequava-se a ela.”

O último encontro deles, após um pedido feito pelo produtor e amigo Roberto Menescal a Paulo Coelho, teria acontecido num hotel na divisa de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Coelho não queria encontrar Raul em São Paulo, e Raul não queria ir ao Rio. A ideia é que eles fariam novas músicas juntos, mas depois de cinco dias esperando o cantor – que estava trancado dentro de um quarto do hotel –, Coelho acabou desistindo da ideia.

“Convivi cerca de quatro anos com Paulo para escrever sua biografia”, diz Fernando Morais. “Em nenhum momento percebi que ele alimentasse a mais remota suspeita de que Raul tenha sido responsável por sua prisão.”

Para Jotabê Medeiros, Paulo Coelho tentou falar do caso em diversas ocasiões. “No filme sobre a vida dele, ele se ressente de Raul não tê-lo procurado no tempo em que ficou cativo e mesmo depois de ser solto.” O jornalista também cita um artigo do escritor sobre o abuso que sofreu na ditadura, publicado neste ano pelo jornal The Washington Post. Ele lembra um trecho em que Coelho diz que “procura o cantor”, falando de quando foi liberado pela polícia.

No ano em que se completam três décadas da morte de Raul Seixas, a obra de Medeiros é uma entre muitas que se propõem a celebrar sua memória. O livro Raul Seixas: Por trás das canções, do jornalista Carlos Minuano, acaba de ser lançado, e se concentra mais nas histórias das músicas do baiano.

Ainda que o legado de Raulzito seja inquestionável, a relação tão celebrada dele com Paulo Coelho ganha novas nuances. O escritor de O Alquimista diz que as chagas já foram cicatrizadas, sinal de que pode já ter perdoado o antigo parceiro. De certa forma, as revelações também deixam dúvida sobre os caminhos que a dupla poderia ter seguido, caso a relação com a ditadura tivesse sido outra.

“Paulo e Raul produziram algumas das canções mais poderosas, do ponto de vista da ressonância cultural, do nosso tempo”, afirma Medeiros. “Separados, somente Raul mantinha a fleuma. Paulo não tinha a credibilidade do cantor, a voz, a autoridade. Foi ganhando outro tipo de autoridade ao longo da vida. Juntos, eram uma força da natureza.” (Folhapress)