"Com o violão, era um show à parte" Parceira musical de longas datas de Moraes Moreira, Baby do Brasil disse ter tomado grande susto com a notícia da morte: "Como se fosse um trovão"

Publicação: 14/04/2020 03:00

A classe artística reagiu com surpresa e pesar à morte de Moraes Moreira ontem. O baque foi especialmente forte para os companheiros do grupo Novos Baianos. A cantora Baby do Brasil disse que, após passar a noite em claro, acordou com a triste notícia. “Tomei um grande susto, como se fosse um trovão. Não entendi. Foi muito difícil, porque o Moraes não estava doente. Estava tudo certo, ele estava fazendo quarentena, vinha se comunicando com o grupo. Não havia aparente motivo pra um falecimento abrupto. Até isso se realizar na nossa cabeça, é muito profundo, porque você está com uma pessoa e, de repente, ela não está mais no planeta.”

Baby lembra de Moraes, quem ela diz ter sido um dos maiores compositores do Brasil, nos anos 1970, quando eles estavam juntos no Novos Baianos. “Muito calado, magrinho e, como sempre, passava o dia inteiro tocando. A música sempre foi constante no dia dele por horas a fio. Ele começou a se aprimorar tanto no violão que virou a característica principal do Moraes. Um tipo de batida que ele criou.”

A cantora recorda que passou anos interpretando basicamente as composições de Moraes, e diz que A menina dança é sua música favorita do autor. A faixa, presente no clássico Acabou chorare, é obrigatória até hoje nos shows de Baby. “Ficávamos dia e noite tocando. Fui a intérprete feminina dele durante anos. Eu com 17, ele com 22 anos. Ele com o violão no colo, Pepeu (Gomes) com a guitarra.”

Baby diz que Davi, filho de Moraes, cresceu no embalo das músicas do pai. “Moraes, enquanto tocava, com a perna direita, ficava balançando o carrinho do Davi. Ele cresceu no embalo de Preta pretinha e com o Moraes empurrando o carrinho no ritmo.”

Para ela, o maior legado de Moraes é seu jeito de tocar violão. “Ele deixa uma escola de violão. Inédita, única, personalizada. O violão do Moraes é o início de uma nova maneira de se tocar. Moraes, sozinho, com o violão era um show à parte.”

Baby teve um desentendimento público recente com Moraes. Depois de ela criticar o musical sobre o Novos Baianos, espetáculo dirigido por Otávio Muller, o cantor a respondeu em entrevista ao jornal O Globo. “Dizer que o musical não retrata os Novos Baianos é uma mentira deslavada. Baby queria que o espetáculo fosse evangélico. Que não dissesse que fumou maconha, que tomou ácido, que fez tudo. Assim, os Novos Baianos não seriam revolucionários”, ele disse ao jornal, no fim de março.

A parceira musical e amiga de Moraes, contudo, diz que ele chegou a pedir desculpas depois que a matéria foi ao ar. “Respondi que respeitava a opinião dele, e que o amo. Amo o Moreirinha. Para mim, não teve nenhum tipo de ofensa. Era meu irmão, não teve problema nenhum”, afirmou Baby, que é pastora evangélica.

MENTOR

Conterrâneo e mentor de Moraes Moreira, Tom Zé, 83 anos, lamentou a morte do músico. “Que notícia, nossa Senhora. É uma notícia de doer o coração”, afirmou. Os dois se conheceram nos anos 1960, muito antes de alcançarem a fama. Tom Zé deu aulas de violão a Moreira e foi o responsável por apresentá-lo ao poeta Luiz Galvão, com quem ele formaria o grupo Novos Baianos.

“Eu dava aula de violão num seminário de música e, lá pelos anos de 1963, 1964, apareceu um rapaz comprido, com uma roupa meio que do interior, e eu disse para ele: ‘Rapaz, aula de violão é muito cara, você não vai poder pagar’”, relembra o músico.

Tom Zé decidiu ensinar Moreira de graça e lembra do pupilo como alguém com “interesse voraz, com uma verdadeira gulodice de conhecimento”. Eles se encontraram uma vez ao mês, por quatro meses. “Em quatro meses, eu acabei de ensinar tudo o que eu sabia e ele já tocava melhor do que eu.”

Foi na reta final desse curso improvisado a Moreira que Tom Zé conheceu Galvão e decidiu apresentá-los. Surgiu então os Novos Baianos, que tomaram a estrada rumo ao Rio de Janeiro. “E lá foram eles, sem pai nem mãe”, lembra o mentor. Mestre e aprendiz se reencontrariam mais tarde, em São Paulo, quando a carreira de ambos já começava a alavancar.

A relação de troca e amizade da dupla foi relembrada por Moreira em 2017, na música Obrigado Tom Zé. Nela, canta que “Tom Zé foi meu professor na escola que foi a única”. (Folhapress)