Pé na porta para conquistar espaço
Foi preciso força e articulação para mulheres cis, trans e não-binárias ganharem voz e vez na música eletrônica pernambucana, como na cena fomentada pelo coletivo Maddam
EMANNUEL BENTO
emannuel.bento@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 27/06/2020 03:00
Maddam. Palavra em palíndromo originada a partir das iniciais de música, arte e dança. Em Pernambuco, é o nome de um coletivo de música eletrônica criado em 2014 pelo casal recifense Nadedja Maciel, 36, e Dayra Batista, 31. A proposta surgiu para articular mulheres cis, trans e não-binárias interessadas nesse gênero musical, mas que não encontravam espaço nos grandes eventos - capitaneados, majoritariamente, por homens brancos. Atualmente, o selo realiza festas e uma oficina que tem funcionado como laboratório para artistas fomentarem uma nova cena de música eletrônica underground e queer. Neste domingo, quando se comemora o Dia do Orgulho LGBTIQ+, o Diario conta a história da Maddam Music para pincelar esse universo.
Nadedja Maciel conheceu a música eletrônica na adolescência através de bandas como Depeche Mode e Information Society. Mais tarde, começou a ir a eventos e se encantou pela figura do DJ e seu poder de construir a atmosfera da noite. Ela hoje se descreve como uma DJ “open format”, mesclando referências retrôs com house, synthpop e sonoridades regionais. Dayra Batista vem de uma família de instrumentistas, chegou a passar pelo Conservatório Pernambucano de Música, mas também se encontrou no eletrônico. Ela deixou o violino de lado para iniciar pesquisas em vertentes como afrobeat e afro house. “Minhas playlists eram elogiadas por amigos DJs. Decidi iniciar uma carreira no ramo e fiz um curso, mas os convites para shows não chegavam”, conta Nadedja. “Em 2014, parei para analisar aquela cena, as programações, e notei que era um universo predominantemente masculino. Ao mesmo tempo, a imagem da mulher sempre estava nos teasers, em flyers, como parte da experiência da festa. Isso me incomodava muito.”
No Recife, predominavam - e isso ainda permanece, em parte - festas raves, que tocam os gêneros psy e trance. Também os grandes eventos de EDM, um gênero altamente comercial que marcava presença no Tomorrowland. Foi nesse contexto que Nadedja e Dayra decidiram fundar Maddam.
“O intuito era criar um ambiente onde nos sentíssemos valorizadas, respeitadas e tratadas como profissionais. Nos raros eventos em que éramos convidadas para tocar, nunca ficávamos em uma posição boa no line-up. Às vezes não tinha cachê. O contexto da noite também é propenso à vulnerabilidades para mulheres”, diz Dayra Batista. Em diálogo com outras amigas DJs, o Maddam começou a tomar forma. “Nossos eventos são produzidos por mulheres, sejam cis, trans ou travestis, do palco à segurança. Fomos maturando a nossa concepção de evento, até que chegamos ao formato atual. O público LGBTQI foi se sentindo atraído por nossas festas.”
A Maddam Music realiza duas festas. A Medusa, que homenageia a famosa figura mitológica, propõe um evento multissensorial, unindo música eletrônica, artes visuais e arte-performance. “É o mergulho em uma experiência. Sempre temos VJs que cuidam da estética visual de acordo com as músicas e performances. A ideia é brincar com a fronteira entre o que é esteticamente diferente e o sensível”. No carnaval, a Medusa tem uma reformulação chamada Troça-
Eletro-Carnavalesca. O segundo evento é chamado Valentina e tem a proposta de juntar DJs com sons distintos para um set conjunto. “É uma espécie de desafio, mas quem ganha é o público”, diz Nadedja.
O terceiro evento é o Maddam Lab, uma força motriz que tem feito esse processo de eletrônico feminino e queer se multiplicar. “São dois dias em que fazemos rodas de diálogos com DJs experientes e iniciantes. Aparecem pessoas de várias áreas: teatro, cinema, artes gráficas. Cada profissional consegue conhecer outros com afinidade, e ali surgem projetos. No meio disso eu gosto de ensinar tudo o que sei sobre discotecagem, possibilitando novos talentos. Acredito que o laboratório começou a renovar e oxigenar a cena”, conta Nadedja.
Entre as pessoas que passaram pelo Maddam Lab está Cherolainne, nome artístico de Vic Chamaleon, que se tornou residente da festa Revérse - inicialmente formada por heterossexuais de classe média - e fundou o selo NBOMB Party, que já realizou edição no Clube Metrópole, a boate LGBT mais antiga da cidade. Em maio, ela foi uma das convidadas para estampar a capa da revista Elle, que está retomando atividades no Brasil. Outro exemplo é Libra, que fundou o selo Scapa ao lado de Anti Ribeiro, focado em música eletrônica afro-latina e com artistas negros. Essas festas integram uma cena já composta por selos como Hypnos, Batescata (projeto eletrônico do Som na Rural) e Festival 3001.
Além de Nadejda e Nayra (com a dupla Nubian Queen, ao lado de Cecília Godoy), as atuais artistas residentes da Maddam são Lilit, Dandarona, Karma, Avenoir, Lupe, a dupla Blue & Red e Lorena Lopez (projeções e vídeo mapping). Avenoir (Ana Fernandes) chegou a lançar faixa pelo selo espanhol Vapour Trail Records. Blue & Red (Eliza Melo e Briza Fernandes) moram em Natal, onde conseguiram um espaço no Festival Mada, realizado na Arena das Dunas.
“Recife está tendo um boom de iniciativas eletrônicas. Essas festas comerciais que citei antes hoje até chamam algumas de nós para tocar, como uma forma de demonstração de apoio à diversidade. Mas isso só está ocorrendo porque nós, mulheres cis e trans, criamos nossas iniciativas. Nós colocamos o pé na porta e mostramos que merecemos participar”, finaliza Nadedja.
Mês do Orgulho
A tendência das lives também chegou ao circuito eletrônico, com eventos realizados em rádios on-line ou plataformas de conferência. Mas o Maddam decidiu fazer uma campanha diferente para junho, o “mês do orgulho”. Elas convidaram 21 artistas para montar uma série de publicações, promovendo divulgação e visibilidade colaborativa. Os posts contam com foto e texto sobre a caminhada do artista, explicando sua linguagem, quais as mixtapes e em quais plataformas estão disponíveis. Em breve, o Maddam vai lançar um portal com todas as residentes, facilitando a fruição do conteúdo e possibilitando mais contratações.
Nadedja Maciel conheceu a música eletrônica na adolescência através de bandas como Depeche Mode e Information Society. Mais tarde, começou a ir a eventos e se encantou pela figura do DJ e seu poder de construir a atmosfera da noite. Ela hoje se descreve como uma DJ “open format”, mesclando referências retrôs com house, synthpop e sonoridades regionais. Dayra Batista vem de uma família de instrumentistas, chegou a passar pelo Conservatório Pernambucano de Música, mas também se encontrou no eletrônico. Ela deixou o violino de lado para iniciar pesquisas em vertentes como afrobeat e afro house. “Minhas playlists eram elogiadas por amigos DJs. Decidi iniciar uma carreira no ramo e fiz um curso, mas os convites para shows não chegavam”, conta Nadedja. “Em 2014, parei para analisar aquela cena, as programações, e notei que era um universo predominantemente masculino. Ao mesmo tempo, a imagem da mulher sempre estava nos teasers, em flyers, como parte da experiência da festa. Isso me incomodava muito.”
No Recife, predominavam - e isso ainda permanece, em parte - festas raves, que tocam os gêneros psy e trance. Também os grandes eventos de EDM, um gênero altamente comercial que marcava presença no Tomorrowland. Foi nesse contexto que Nadedja e Dayra decidiram fundar Maddam.
“O intuito era criar um ambiente onde nos sentíssemos valorizadas, respeitadas e tratadas como profissionais. Nos raros eventos em que éramos convidadas para tocar, nunca ficávamos em uma posição boa no line-up. Às vezes não tinha cachê. O contexto da noite também é propenso à vulnerabilidades para mulheres”, diz Dayra Batista. Em diálogo com outras amigas DJs, o Maddam começou a tomar forma. “Nossos eventos são produzidos por mulheres, sejam cis, trans ou travestis, do palco à segurança. Fomos maturando a nossa concepção de evento, até que chegamos ao formato atual. O público LGBTQI foi se sentindo atraído por nossas festas.”
A Maddam Music realiza duas festas. A Medusa, que homenageia a famosa figura mitológica, propõe um evento multissensorial, unindo música eletrônica, artes visuais e arte-performance. “É o mergulho em uma experiência. Sempre temos VJs que cuidam da estética visual de acordo com as músicas e performances. A ideia é brincar com a fronteira entre o que é esteticamente diferente e o sensível”. No carnaval, a Medusa tem uma reformulação chamada Troça-
Eletro-Carnavalesca. O segundo evento é chamado Valentina e tem a proposta de juntar DJs com sons distintos para um set conjunto. “É uma espécie de desafio, mas quem ganha é o público”, diz Nadedja.
O terceiro evento é o Maddam Lab, uma força motriz que tem feito esse processo de eletrônico feminino e queer se multiplicar. “São dois dias em que fazemos rodas de diálogos com DJs experientes e iniciantes. Aparecem pessoas de várias áreas: teatro, cinema, artes gráficas. Cada profissional consegue conhecer outros com afinidade, e ali surgem projetos. No meio disso eu gosto de ensinar tudo o que sei sobre discotecagem, possibilitando novos talentos. Acredito que o laboratório começou a renovar e oxigenar a cena”, conta Nadedja.
Entre as pessoas que passaram pelo Maddam Lab está Cherolainne, nome artístico de Vic Chamaleon, que se tornou residente da festa Revérse - inicialmente formada por heterossexuais de classe média - e fundou o selo NBOMB Party, que já realizou edição no Clube Metrópole, a boate LGBT mais antiga da cidade. Em maio, ela foi uma das convidadas para estampar a capa da revista Elle, que está retomando atividades no Brasil. Outro exemplo é Libra, que fundou o selo Scapa ao lado de Anti Ribeiro, focado em música eletrônica afro-latina e com artistas negros. Essas festas integram uma cena já composta por selos como Hypnos, Batescata (projeto eletrônico do Som na Rural) e Festival 3001.
Além de Nadejda e Nayra (com a dupla Nubian Queen, ao lado de Cecília Godoy), as atuais artistas residentes da Maddam são Lilit, Dandarona, Karma, Avenoir, Lupe, a dupla Blue & Red e Lorena Lopez (projeções e vídeo mapping). Avenoir (Ana Fernandes) chegou a lançar faixa pelo selo espanhol Vapour Trail Records. Blue & Red (Eliza Melo e Briza Fernandes) moram em Natal, onde conseguiram um espaço no Festival Mada, realizado na Arena das Dunas.
“Recife está tendo um boom de iniciativas eletrônicas. Essas festas comerciais que citei antes hoje até chamam algumas de nós para tocar, como uma forma de demonstração de apoio à diversidade. Mas isso só está ocorrendo porque nós, mulheres cis e trans, criamos nossas iniciativas. Nós colocamos o pé na porta e mostramos que merecemos participar”, finaliza Nadedja.
Mês do Orgulho
A tendência das lives também chegou ao circuito eletrônico, com eventos realizados em rádios on-line ou plataformas de conferência. Mas o Maddam decidiu fazer uma campanha diferente para junho, o “mês do orgulho”. Elas convidaram 21 artistas para montar uma série de publicações, promovendo divulgação e visibilidade colaborativa. Os posts contam com foto e texto sobre a caminhada do artista, explicando sua linguagem, quais as mixtapes e em quais plataformas estão disponíveis. Em breve, o Maddam vai lançar um portal com todas as residentes, facilitando a fruição do conteúdo e possibilitando mais contratações.