O peso de existir José de Abreu surge com quase 300 quilos para interpretar Charlie no espetáculo "A Baleia", que fica em cartaz de amanhã até domingo, no Teatro Luiz Mendonça

Allan Lopes

Publicação: 30/07/2025 03:00

A atriz Alice Borges contracena com José de Abreu no espetáculo que estreia amanhã (RENATO MANGOLIM/DIVULGAÇÃO)
A atriz Alice Borges contracena com José de Abreu no espetáculo que estreia amanhã
Sob uma montanha de próteses, José de Abreu suporta quase 300 quilos para interpretar Charlie na peça A Baleia. Em cartaz no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, de amanhã até domingo, o espetáculo impõe ao ator não apenas a sobrecarga física, mas o peso invisível de um homem devastado por dores que não se medem em quilos. Um desafio que testa os limites até mesmo de um veterano consagrado da dramaturgia nacional.

Escrita por Samuel D. Hunter, a trama gira em torno de Charlie, um professor de inglês gay, com obesidade severa, que vive isolado e tenta reconstruir a relação com a filha adolescente. A peça ganhou notoriedade mundial com a adaptação para o cinema dirigida por Darren Aronofsky, em 2022, vencedora de três Oscars, entre eles o de Melhor Ator para Brendan Fraser.

No entanto, para José de Abreu, o Charlie do teatro carrega uma densidade ainda maior. "É muito mais humano do que o do cinema", crava, em conversa exclusiva com o Viver. Segundo o ator, a versão do diretor Luís Artur Nunes não suaviza os conflitos como o filme e apresenta relações mais honestas e sensíveis. "Ele é um sujeito que vem de uma cidade pequena, onde tudo é mais contido, inclusive os afetos. Isso dá muita cor ao personagem", explica. No palco, ele divide essa carga dramática com Luísa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e Alice Borges.

Mesmo coberto por  uma barriga de látex, camadas de neoprene e até oito bolsas de gelo para driblar o calor, foi a dor de Charlie que mais pesou. A profundidade do sofrimento e da solidão do personagem tornou este o papel mais desafiador de sua carreira de quase 60 anos, que inclui títulos como O Tempo e o Vento (1985), História de Amor (1995) %u2014 atualmente em reprise na faixa Edição Especial da TV Globo %u2014 e Avenida Brasil (2012). "É um desgaste psicológico muito grande", revela ele.

De volta ao Recife após 25 anos, desde que participou da reinauguração anterior do Teatro do Parque, em 2000, com A Mulher Sem Pecado, de Nelson Rodrigues, José de Abreu promete deixar esta nova passagem marcada na memória dos pernambucanos. "É impossível sair do teatro indiferente. Você vai jantar depois e vai ficar comentando, repensando o que acabou de assistir. É isso que o bom teatro faz: lhe tira do lugar, lhe faz refletir", afirma ele, que, nos anos 1970, refugiou-se da ditadura na praia do Janga, onde viveu entre coqueirais com um grupo de hippies.

A humanidade de Charlie também transparece em Elói Bandeira, personagem de Guerreiros do Sol, fazendeiro poderoso que se rende aos encantos de Rosa (Isadora Cruz). "Foram poucos capítulos para mostrar essa evolução, mas ficou claro como a paixão era recíproca", avalia. Seja para um coronel ou para um professor obeso, o amor sempre chega. Mas nem sempre a tempo.