A história que se escreve a lápis Morreu ontem, aos 88 anos, o cartunista argentino Quino, um dos maiores gênios dos quadrinhos e criador da rebelde, encantadora e sempre atual Mafalda

Publicação: 01/10/2020 03:00

O cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino e criador da Mafalda, faleceu ontem, aos 88 anos. “Quino morreu. Todas as pessoas boas do país e do mundo ficarão de luto por ele”, informou seu editor, Daniel Divinsky. E chora-se. #Quino teve uma avalanche de mensagens de despedida.

“Desenho porque falo mal”, confessou Quino, certa vez. Esse complexo como orador o fez recorrer ao desenho, do qual nasceu sua melhor porta-voz, Mafalda, a menina que levou suas palavras ao mundo. Este filho de andaluzes nascido na província de Mendoza, descobriu cedo que o lápis pode ser uma arma criativa, tão celebrada quanto temida.

“Aos 3 anos, desenhei meu tio. Descobri que gente, cavalos, trens, montanhas podem vir de algo tão simples como um lápis. Um lápis é algo maravilhoso”, disse. Aos 13, ingressou na Faculdade de Belas Artes de Mendoza, mas logo se sentiu “cansado de desenhar ânforas e gessos” e transformou a genialidade em quadrinhos e humor, embora em sua primeira fase, sem palavras. “Falar arrisca dizer coisas erradas sobre o bem e o mal.”

Aos 18 anos, publicou o seu primeiro cartum em Buenos Aires, mas foi aos 30 que Mafalda nasceu do traço do seu lápis, a menina que odeia sopa, concebida a pedido de um anúncio de eletrodomésticos em 1963. “É uma menina que tenta resolver o dilema de quem são os mocinhos e quem são os malvados deste mundo”, definiu o seu criador.

A campanha nunca aconteceu e Mafalda ficou guardada numa pasta até 1964, quando foi publicada no semanário de Buenos Aires Primera Plana por impulso da mulher de Quino, Alicia Colombo, sua inseparável companheira durante mais de meio século, que morreu em 2017. “A minha mulher foi a chave para a Mafalda ser conhecida”, afirmou, ao dedicar o Prêmio Príncipe das Astúrias a Alicia em 2014.

As tirinhas de Mafalda e dos amigos Susanita, Miguelito, Manolito, Felipe e Libertad foram publicadas de 1964 a 1973. Embora nunca tenha negado a fama mundial que Mafalda lhe trouxe, Quino disse nunca a amou mais do que aos outros desenhos. Em 1973, no auge da sua fama, deixou de desenhá-la, simplesmente por considerar que se repetia.

Assolado por problemas de visão e com dificuldade de locomoção, em 2006 parou de desenhar. Seus últimos anos foram passados dividindo os verões entre Argentina e Espanha, porque ele não gostava do inverno.

CENSURA
Como Mafalda, Quino foi declarado amante da liberdade, embora tenha sofrido censura desde o início. “Na Argentina, tive que me censurar porque, quando comecei a desenhar em Buenos Aires, eles me disseram claramente ‘sem militares, sem religião, sem sexo’. E então, falei sobre tudo isso, mas de outra maneira”, lembrou. Quando Mafalda chegou à Espanha, na ditadura de Franco, “saía com uma faixa que dizia ‘só para adultos’ e foi censurada também na Bolívia, no Chile e no Brasil.”

Uma das últimas vezes em que foi visto em público foi em janeiro de 2015, em um evento em Buenos Aires para repudiar o ataque ao semanário satírico francês Charlie Hebdo. Ali, 12 pessoas foram assassinadas, entre esses cinco colegas. “A Mafalda teria uma vergonha terrível pelo ataque”, disse Quino que compareceu numa cadeira de rodas e com uma placa com a legenda: “Eu sou Charlie”. (AFP)
 
26 idiomas

As histórias da menina com nome de princesa italiana estão traduzidas em 26 idiomas e só na Argentina venderam 20 milhões de exemplares. O retrato de Mafalda está pendurado na Galería dos Ídolos Populares da Casa Rosada, junto com lendas como o ex-jogador Diego Maradona, o cantor de rock Charly García, o ex-tenista Guillermo Vilas, o bailarino clássico Julio Bocca, o automobilista Juan Manuel Fangio e o cantor de tango Carlos Gardel.