Mafalda, o outro eu do cartunista Quino O ceticismo e a amarga reflexão sobre os infortúnios do mundo afloram nos comentários ásperos, sarcásticos e transgressores da menina rebelde

Publicação: 01/10/2020 03:00

Nada define tanto a idiossincrasia de Quino como o quadrinho em que Mafalda mostra um globo terrestre ao seu ursinho de pelúcia e  pergunta “Gostou? Porque é um modelo, o original é um desastre”. O ceticismo e a amarga reflexão sobre os infortúnios do mundo afloram nos comentários ásperos, sarcásticos e transgressores da menina rebelde, transformada no outro eu de Quino. As ideias do cartunista e humorista, como bom artista, foram expressas através de seus quadrinhos e em poucas aparições públicas.

Retraído como Felipito - outro de seus lendários personagens companheiros da pequena militante -, Quino desfilou por cenários distintos onde era homenageado por seu trabalho, enquanto parecia não saber o que responder, emocionado, mas um tanto envergonhado. Quino desenhou e escreveu Mafalda de 1964 até 1973, mas a menina permaneceu nas novas gerações e é usada como símbolo pelo movimento feminista.

Quino justificou o impacto de seu cartum pelo momento histórico em que aparece e se desenvolve, os anos 1960 e 1970, de uma explosão criativa e revolucionária em todas as áreas. “Mafalda saiu bem porque a época em que a criei era boa, embora houvesse conflitos como sempre. O ser humano é quilombero (rebelde) por natureza”, explicou.

Terceiro filho de pais republicanos espanhóis de classe média, ele mergulhou no mundo dos desenhos por influência de um tio que trabalhava em um jornal de sua cidade natal, Mendoza. Seus pais faleceram antes de sua adolescência e um irmão mais velho o ajudou a sobreviver. “Sofri muito porque vivia em condições precárias enquanto perambulava por redações de jornais e revistas sem muito sucesso”, lembrou. A vida se iluminou quando conseguiu publicar em revistas.

A figura que deixava os adultos mudos e paralisados com suas perguntas e comentários ácidos, foi classificada pelo intelectual italiano Umberto Eco como “uma heroína raivosa”. Ela “rejeita o mundo como é, reivindicando seu direito de continuar sendo uma menina que não quer se apoderar de  um universo adulterado pelos pais”, disse Eco.

Não se apodera do horror das guerras, da injustiça e da hipocrisia nas relações sociais. O globo terrestre volta a aparecer em outro quadrinho e Mafalda pendura nele uma placa que diz “Irresponsáveis trabalhando”. (AFP)