O centenário do plural Pasolini
Poeta, escritor, cineasta, dramaturgo, ator e jornalista italiano, assassinado em 1975, deixou uma grande obra, marcada pela pesquisa e compromisso político
Publicação: 04/03/2022 03:00
Pier Paolo Pasolini completaria 100 anos amanhã. Resta a obra do “enfant terrible” da literatura e do cinema italiano, cujo assassinato em 1975, nunca esclarecido, continua a alimentar sua lenda. Poeta, escritor, cineasta, dramaturgo, crítico, ator, jornalista, PPP deixou uma grande obra, marcada pela pesquisa formal e compromisso político. Uma espécie de evangelho escrito por um apóstolo agnóstico, marxista e gay.
“Mais do que tudo perdemos um poeta, e não há tantos poetas no mundo”, afirmou o amigo Alberto Moravia, autor de O desprezo, durante o funeral oficial em 5 de novembro de 1975, três dias após sua morte.
Em 20 anos de atividade artística, Pasolini, comparado com frequência a Jean Cocteau ou Jean Genet, provocou violentas controvérsias por suas críticas à burguesia, à censura cristã e à ameaça neofascista. Seus versos, sua prosa, seu teatro, seus filmes e as muitas crônicas constituem uma poética sombria na qual o amigo de Jean-
Luc Godard e Federico Fellini questiona a modernidade de uma Itália ao mesmo tempo milenar e adolescente.
Ainda rural e pobre, o país começava a descobrir os eletrodomésticos, a televisão, o automóvel individual, mas também o desemprego, os bairros marginais, as classes desfavorecidas.
“Lincoln aboliu a escravidão, a Itália a restabeleceu”, afirma o protagonista de Accattone - Desajuste social, seu primeiro filme, de 1961, sobre um cafetão da periferia, no qual Pasolini retrata o “milagre econômico” do ponto de vista dos marginalizados.
“Buscou durante toda a vida um mundo arcaico, pré-industrial, pré-globalizado, que considerava inocente”, explica à AFP a escritora italiana Dacia Maraini, amiga do artista, coautora do roteiro de As mil e uma noites (1974).
Pasolini tinha fama em seu país por suas coleções de poemas, mas no exterior ganhou fama com o cinema. Ele passou do realismo (Accattone, Mamma Roma) à adaptação simbolista (Boccaccio, Sófocles, Sade). Dirigiu 23 filmes, incluindo o transgressor Salò ou os 120 dias de Sodoma, uma livre adaptação do livro do Marquês de Sade, ambientada durante a Segunda Guerra Mundial, lançada três semanas após seu assassinato.
Também dirigiu O Evangelho segundo São Mateus (1964), vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza, Teorema (1968), Medeia (1969) com Maria Callas, Decameron (1971), premiado em Berlim.
Seus livros (Meninos da vida, Uma vida violenta) falam de seu fascínio, sua atração pelos jovens, pela língua particular dos subúrbios romanos que o recordava a língua materna da região de Friuli e seu início como poeta dialetal. Em Teorema, desmonta uma família burguesa, com a qual apresenta um exemplo de tudo que o aterrorizava.
Seu ciclo de romances termina com o inacabado Petróleo, cujas revelações contidas em um capítulo supostamente perdido podem ter provocado sua morte, de acordo com uma de muitas teorias. Em sua última entrevista, concedida em Paris em 31 de outubro de 1975, Pasolini resumiu seu credo: “Escandalizar é um direito. Escandalizar-se é um prazer”.
Pasolini foi assassinado na madrugada de 1 para 2 de novembro de 1975 em uma praia de Ostia, perto de Roma. A Itália vivia os “anos de chumbo”. Terroristas executavam assassinatos e atentados. Um garoto de programa de 17 anos, Pino Pelosi, foi o único condenado no ano seguinte pelo crime. Ele disse que brigou com Pasolini porque rejeitou suas insinuações sexuais. Anos depois, ele mudou a versão, que nunca teve muito crédito na Itália. Crime de membros de gangues aterrorizados ou assassinato político-mafioso? Talvez os dois ao mesmo tempo. O enigma permanece intacto. (AFP)
“Mais do que tudo perdemos um poeta, e não há tantos poetas no mundo”, afirmou o amigo Alberto Moravia, autor de O desprezo, durante o funeral oficial em 5 de novembro de 1975, três dias após sua morte.
Em 20 anos de atividade artística, Pasolini, comparado com frequência a Jean Cocteau ou Jean Genet, provocou violentas controvérsias por suas críticas à burguesia, à censura cristã e à ameaça neofascista. Seus versos, sua prosa, seu teatro, seus filmes e as muitas crônicas constituem uma poética sombria na qual o amigo de Jean-
Luc Godard e Federico Fellini questiona a modernidade de uma Itália ao mesmo tempo milenar e adolescente.
Ainda rural e pobre, o país começava a descobrir os eletrodomésticos, a televisão, o automóvel individual, mas também o desemprego, os bairros marginais, as classes desfavorecidas.
“Lincoln aboliu a escravidão, a Itália a restabeleceu”, afirma o protagonista de Accattone - Desajuste social, seu primeiro filme, de 1961, sobre um cafetão da periferia, no qual Pasolini retrata o “milagre econômico” do ponto de vista dos marginalizados.
“Buscou durante toda a vida um mundo arcaico, pré-industrial, pré-globalizado, que considerava inocente”, explica à AFP a escritora italiana Dacia Maraini, amiga do artista, coautora do roteiro de As mil e uma noites (1974).
Pasolini tinha fama em seu país por suas coleções de poemas, mas no exterior ganhou fama com o cinema. Ele passou do realismo (Accattone, Mamma Roma) à adaptação simbolista (Boccaccio, Sófocles, Sade). Dirigiu 23 filmes, incluindo o transgressor Salò ou os 120 dias de Sodoma, uma livre adaptação do livro do Marquês de Sade, ambientada durante a Segunda Guerra Mundial, lançada três semanas após seu assassinato.
Também dirigiu O Evangelho segundo São Mateus (1964), vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza, Teorema (1968), Medeia (1969) com Maria Callas, Decameron (1971), premiado em Berlim.
Seus livros (Meninos da vida, Uma vida violenta) falam de seu fascínio, sua atração pelos jovens, pela língua particular dos subúrbios romanos que o recordava a língua materna da região de Friuli e seu início como poeta dialetal. Em Teorema, desmonta uma família burguesa, com a qual apresenta um exemplo de tudo que o aterrorizava.
Seu ciclo de romances termina com o inacabado Petróleo, cujas revelações contidas em um capítulo supostamente perdido podem ter provocado sua morte, de acordo com uma de muitas teorias. Em sua última entrevista, concedida em Paris em 31 de outubro de 1975, Pasolini resumiu seu credo: “Escandalizar é um direito. Escandalizar-se é um prazer”.
Pasolini foi assassinado na madrugada de 1 para 2 de novembro de 1975 em uma praia de Ostia, perto de Roma. A Itália vivia os “anos de chumbo”. Terroristas executavam assassinatos e atentados. Um garoto de programa de 17 anos, Pino Pelosi, foi o único condenado no ano seguinte pelo crime. Ele disse que brigou com Pasolini porque rejeitou suas insinuações sexuais. Anos depois, ele mudou a versão, que nunca teve muito crédito na Itália. Crime de membros de gangues aterrorizados ou assassinato político-mafioso? Talvez os dois ao mesmo tempo. O enigma permanece intacto. (AFP)