À luz do cangaceirismo
Obra clássica do pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, na qual detalha o cangaço sob a ótica do poder e da estética daquela época, é relançada pela Cepe
Publicação: 23/03/2023 03:00
Guerreiros do Sol: Violência e banditismo no Nordeste do Brasil é um livro que não pode faltar na estante de leitores interessados no tema do cangaceirismo. O título é de autoria do pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, que faz um estudo detalhado do cangaço à luz do poder, da estética e da mística em volta desse período da história. Foi publicado pela primeira vez em 1985, estava esgotado e chega à 6ª edição pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). O lançamento acontece hoje, às 19h, na Academia Pernambucana de Letras (APL), localizada no bairro das Graças, Zona Norte do Recife.
Advogado de formação, Frederico Pernambucano de Mello é referência em estudos sobre o cangaço e Guerreiros do Sol é considerado um clássico nessa temática. O livro tem 544 páginas, ricamente ilustrado e ancorado numa extensa pesquisa realizada em jornais, na poesia sertaneja, em documentação histórica e em depoimentos escritos e orais. Segundo ele, a nova edição traz poucos acréscimos. “O que predomina é a purificação dos dados, dever interminável de quem escreve”, declara o escritor.
No livro, ele traça um panorama do homem sertanejo, descreve a violência instalada no país, analisa as formas de cangaço e ressalta a teoria do escudo ético, argumento da vingança usado por cangaceiros para exercer a bandidagem. “Com a franqueza e a ausência de inveja com que procuro me pautar, digo que, sem sombra de dúvida, a teoria do escudo ético, de Frederico Pernambucano, foi a única que, até o dia de hoje, me pareceu convincente: foi a única que explicou a mim próprio os sentimentos contraditórios de admiração e repulsa que sinto diante dos cangaceiros”, disse, sobre essa teoria, o escritor Ariano Suassuna.
O mais famoso dos cangaceiros, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), justificava sua entrada no cangaço como vingança pela morte do pai e prometia retaliações contra José Saturnino e José Lucena de Albuquerque Maranhão, a quem responsabilizava pela vida que levava. “Curiosamente, a propósitos tão firmados e melhor alardeados não se seguiam ações de mesma intensidade. Pode-se mesmo conjecturar que Lampião jamais tentou sinceramente destruir os seus dois grandes inimigos”, relata o pesquisador em uma das passagens da obra.
Frederico Pernambucano analisa as figuras do cangaceiro, jagunço, pistoleiro, capanga, cabra e valentão. “O cangaceiro mostra não ter sido fenômeno homogêneo, divergindo segundo a motivação que levava o indivíduo a tomar armas, bem assim pela conduta adotada”, destaca. Assim, ele identifica o cangaço como meio de vida (Lampião e Antônio Silvino são os principais representantes), o cangaço como instrumento de vingança (Jesuíno Brilhante e Sinhô Pereira são os grandes exemplos) e o cangaço como refúgio (Ângelo Roque é o mais expressivo).
Elogiado por pesquisadores nacionais e estrangeiros, como o sociólogo Gilberto Freyre e Billy Jaynes Chandler (escritor norte-americano com livros lançados sobre o cangaço brasileiro), Guerreiros do Sol é o resultado de uma vida dedicada à pesquisa. “Seguindo Gilberto Freyre, com quem trabalhei por quinze anos na Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, vali-me da mais aberta pluralidade de fontes, das mais carrancudas, cartório etc., às mais insuspeitadas sempre uma fonte purificando a outra”, diz Frederico Pernambucano.
Serviço
Lançamento do livro Guerreiros do Sol: Violência e banditismo no Nordeste do Brasil, em evento aberto ao público
Quando: 23 de março
Local: Academia Pernambucana
de Letras (avenida Rui Barbosa, 1596, Graças, Recife) Hora: 19h
Preço: R$ 80 (impresso) e R$ 32 (e-book)
Entrevista: Frederico Pernambucano de Mello // pesquisador
Queria que o senhor definisse em poucas linhas o que é fazer-se cangaceiro.
Era protagonizar uma tradição brasileira de insurgência coletiva, rural, armada e metarracial, essa última característica significando que se podia ascender na hierarquia dos bandos de cangaceiros independentemente do tipo racial a que se pertencesse. Lampião era caboclo; Corisco, louro dos olhos claros; Luiz Pedro, Candeeiro e Elétrico, sararás; Zé Baiano, negro; Zé Sereno, negroide; Cobra Verde, moçárabe; Gato e Peitica, índios quase puros; Maria Bonita, alva; Dadá, mulata; Inacinha, índia.
O que o senhor destaca como a grande contribuição do livro para as pessoas interessadas no período?
O livro salienta a existência de dois Nordestes, o da agricultura de exportação, à frente a cana-de-açúcar, e o da pecuária, o ciclo do gado e do couro. Dois mundos, duas sociedades, dois homens, duas formas de motivação e exteriorização da violência, presente em ambos. Salienta, individualiza e conceitua os protagonistas dessa violência: o cabra, o capanga, o ‘matador de pé de pau’ ou pistoleiro, o jagunço e o cangaceiro. Há ainda a salientar no livro uma teoria proposta e hoje adotada em geral, a do ‘escudo ético’. Em essência, a narrativa adotada pelo fora da lei logo que vai ficando famoso, destinada a lhe justificar a conduta. Afinal, coragem, bravura e audácia produziam simpatia no universo rural.
Quanto tempo o senhor levou para fazer esse levantamento do livro de 1985?
Há um tempo de vivência e de convivência que cobre a vida inteira do observador, notadamente os verdes anos, tempo em que pude estar com muitos remanescentes do ciclo histórico do cangaço e há o tempo sistemático de pesquisa, desenvolvido, no meu caso, sobre o cabedal de vivências mencionadas acima. Nesse segundo domínio, levei cerca de dez anos.
Advogado de formação, Frederico Pernambucano de Mello é referência em estudos sobre o cangaço e Guerreiros do Sol é considerado um clássico nessa temática. O livro tem 544 páginas, ricamente ilustrado e ancorado numa extensa pesquisa realizada em jornais, na poesia sertaneja, em documentação histórica e em depoimentos escritos e orais. Segundo ele, a nova edição traz poucos acréscimos. “O que predomina é a purificação dos dados, dever interminável de quem escreve”, declara o escritor.
No livro, ele traça um panorama do homem sertanejo, descreve a violência instalada no país, analisa as formas de cangaço e ressalta a teoria do escudo ético, argumento da vingança usado por cangaceiros para exercer a bandidagem. “Com a franqueza e a ausência de inveja com que procuro me pautar, digo que, sem sombra de dúvida, a teoria do escudo ético, de Frederico Pernambucano, foi a única que, até o dia de hoje, me pareceu convincente: foi a única que explicou a mim próprio os sentimentos contraditórios de admiração e repulsa que sinto diante dos cangaceiros”, disse, sobre essa teoria, o escritor Ariano Suassuna.
O mais famoso dos cangaceiros, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), justificava sua entrada no cangaço como vingança pela morte do pai e prometia retaliações contra José Saturnino e José Lucena de Albuquerque Maranhão, a quem responsabilizava pela vida que levava. “Curiosamente, a propósitos tão firmados e melhor alardeados não se seguiam ações de mesma intensidade. Pode-se mesmo conjecturar que Lampião jamais tentou sinceramente destruir os seus dois grandes inimigos”, relata o pesquisador em uma das passagens da obra.
Frederico Pernambucano analisa as figuras do cangaceiro, jagunço, pistoleiro, capanga, cabra e valentão. “O cangaceiro mostra não ter sido fenômeno homogêneo, divergindo segundo a motivação que levava o indivíduo a tomar armas, bem assim pela conduta adotada”, destaca. Assim, ele identifica o cangaço como meio de vida (Lampião e Antônio Silvino são os principais representantes), o cangaço como instrumento de vingança (Jesuíno Brilhante e Sinhô Pereira são os grandes exemplos) e o cangaço como refúgio (Ângelo Roque é o mais expressivo).
Elogiado por pesquisadores nacionais e estrangeiros, como o sociólogo Gilberto Freyre e Billy Jaynes Chandler (escritor norte-americano com livros lançados sobre o cangaço brasileiro), Guerreiros do Sol é o resultado de uma vida dedicada à pesquisa. “Seguindo Gilberto Freyre, com quem trabalhei por quinze anos na Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, vali-me da mais aberta pluralidade de fontes, das mais carrancudas, cartório etc., às mais insuspeitadas sempre uma fonte purificando a outra”, diz Frederico Pernambucano.
Serviço
Lançamento do livro Guerreiros do Sol: Violência e banditismo no Nordeste do Brasil, em evento aberto ao público
Quando: 23 de março
Local: Academia Pernambucana
de Letras (avenida Rui Barbosa, 1596, Graças, Recife) Hora: 19h
Preço: R$ 80 (impresso) e R$ 32 (e-book)
Entrevista: Frederico Pernambucano de Mello // pesquisador
Queria que o senhor definisse em poucas linhas o que é fazer-se cangaceiro.
Era protagonizar uma tradição brasileira de insurgência coletiva, rural, armada e metarracial, essa última característica significando que se podia ascender na hierarquia dos bandos de cangaceiros independentemente do tipo racial a que se pertencesse. Lampião era caboclo; Corisco, louro dos olhos claros; Luiz Pedro, Candeeiro e Elétrico, sararás; Zé Baiano, negro; Zé Sereno, negroide; Cobra Verde, moçárabe; Gato e Peitica, índios quase puros; Maria Bonita, alva; Dadá, mulata; Inacinha, índia.
O que o senhor destaca como a grande contribuição do livro para as pessoas interessadas no período?
O livro salienta a existência de dois Nordestes, o da agricultura de exportação, à frente a cana-de-açúcar, e o da pecuária, o ciclo do gado e do couro. Dois mundos, duas sociedades, dois homens, duas formas de motivação e exteriorização da violência, presente em ambos. Salienta, individualiza e conceitua os protagonistas dessa violência: o cabra, o capanga, o ‘matador de pé de pau’ ou pistoleiro, o jagunço e o cangaceiro. Há ainda a salientar no livro uma teoria proposta e hoje adotada em geral, a do ‘escudo ético’. Em essência, a narrativa adotada pelo fora da lei logo que vai ficando famoso, destinada a lhe justificar a conduta. Afinal, coragem, bravura e audácia produziam simpatia no universo rural.
Quanto tempo o senhor levou para fazer esse levantamento do livro de 1985?
Há um tempo de vivência e de convivência que cobre a vida inteira do observador, notadamente os verdes anos, tempo em que pude estar com muitos remanescentes do ciclo histórico do cangaço e há o tempo sistemático de pesquisa, desenvolvido, no meu caso, sobre o cabedal de vivências mencionadas acima. Nesse segundo domínio, levei cerca de dez anos.