Entendendo um biógrafo
Especialista em literatura biográfica, o jornalista e escritor Lira Neto detalhou ao Diario curiosidade de seu livro atual "A arte da biografia"
Múcio Aguiar
mucio.aguiar@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 10/06/2023 03:00
Doutorando em Discursos: Cultura, História e Sociedade, na Universidade de Coimbra, mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e graduado em jornalismo pela Universidade Federal do Ceará, Lira Neto é natural de Fortaleza. Como jornalista, trabalhou no Diário do Nordeste e no jornal O Povo, ambos do Ceará. Aos 63 anos, possui mais de dez livros publicados, quatro deles vencedores do Prêmio Jabuti de Literatura (2007, 2010, 2013 e 2014) e uma vez o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte - APCA (2014), sempre na categoria Biografia. Entre os títulos publicados estão Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão (2009) e Getúlio (2012 e 2013). Em Arrancados da terra (2021) recebeu do historiador Evaldo Cabral de Mello o seguinte comentário: "Uma narrativa erudita e fluente". Lira Neto concedeu entrevista com exclusividade ao Diario de Pernambuco sobre livro A arte da biografia, publicado em 2022.
ENTREVISTA - Lira Neto // jornalista e escritor
“Ao se biografar um indivíduo, biografa-se toda uma época”
Em que o jornalismo contribuiu para sua carreira de autor de biografias? Qual a diferença entre Lira jornalista e o biógrafo?
A formação em jornalismo foi fundamental para minha compreensão da escrita como um compromisso com o leitor. Sou, essencialmente, um repórter, um contador de histórias, que a partir de determinado momento da carreira buscou se enfronhar com maior profundidade nos métodos e exigências da pesquisa historiográfica. Penso que a biografia é uma área de confluência entre o jornalismo, a história e, também, a literatura de não ficção. Ou seja: exige, a um só tempo, a limpidez do texto jornalístico, o rigor no trato com as fontes históricas e a artesania do texto.
Qual o sentido de narrar à trajetória e os acontecimentos ligados a uma pessoa?
Ao se biografar um indivíduo, na verdade, biografa-se toda uma época. O biografado não viveu no éter, divorciado do contexto. Nenhum homem é uma ilha, dizia o poeta John Donne. Portanto, a biografia é um gênero que se debruça sobre o modo e a intensidade com que as esferas da vida privada e da vida pública se impactam e se retroalimentam mutuamente. A pergunta que o biógrafo se faz a todo instante é essa: de que forma o biografado impactou o mundo em que viveu e, de modo idêntico, de que modo ele foi impactado pelo mundo no qual habitou?
Qual seu critério para escolha do personagem a ser biografado?
Só biógrafo indivíduos que, de um modo ou de outro, tenham levado existências recheadas de conflitos, controvérsias, impasses, contradições. Não escrevo para homenagear ou detratar ninguém. Não faço hagiografias, ou seja, biografias de santos; tampouco produzo libelos de desconstrução de reputações. Não beatifico, nem demonizo. Escrevo para entender o ser humano em todas as suas dimensões e ambivalências.
Rodolfo Teófilo (1999), Castello Branco (2004), José de Alencar (2006), Maysa Matarazzo (2007), Padre Cícero (2009) e Getúlio Vargas (2012/2013). Foram livros biográficos. Qual o senhor considerou de maior complexidade para escrever?
Cada livro embute as próprias complexidades. A pesquisa biográfica é sempre penosa, exaustiva, minuciosa. Mas, sem dúvida, pela extensão da narrativa e pela própria magnitude do personagem, biografar Getúlio Vargas foi um desafio à parte.
Biografias narrativas ou épicas? Como constrói as biografias?
Sou um apaixonado pela narrativa. A narratologia é um dos meus campos de estudo de predileção. A épica pressupõe um tom heroico, congratulatório, laudativo, que não se encaixa no gênero biográfico tal qual o concebo. Construo biografias usando a dúvida como ferramenta básica de trabalho. Não escrevo para impor verdades unívocas e absolutas. Ao contrário, problematizo certezas.
ENTREVISTA - Lira Neto // jornalista e escritor
“Ao se biografar um indivíduo, biografa-se toda uma época”
Em que o jornalismo contribuiu para sua carreira de autor de biografias? Qual a diferença entre Lira jornalista e o biógrafo?
A formação em jornalismo foi fundamental para minha compreensão da escrita como um compromisso com o leitor. Sou, essencialmente, um repórter, um contador de histórias, que a partir de determinado momento da carreira buscou se enfronhar com maior profundidade nos métodos e exigências da pesquisa historiográfica. Penso que a biografia é uma área de confluência entre o jornalismo, a história e, também, a literatura de não ficção. Ou seja: exige, a um só tempo, a limpidez do texto jornalístico, o rigor no trato com as fontes históricas e a artesania do texto.
Qual o sentido de narrar à trajetória e os acontecimentos ligados a uma pessoa?
Ao se biografar um indivíduo, na verdade, biografa-se toda uma época. O biografado não viveu no éter, divorciado do contexto. Nenhum homem é uma ilha, dizia o poeta John Donne. Portanto, a biografia é um gênero que se debruça sobre o modo e a intensidade com que as esferas da vida privada e da vida pública se impactam e se retroalimentam mutuamente. A pergunta que o biógrafo se faz a todo instante é essa: de que forma o biografado impactou o mundo em que viveu e, de modo idêntico, de que modo ele foi impactado pelo mundo no qual habitou?
Qual seu critério para escolha do personagem a ser biografado?
Só biógrafo indivíduos que, de um modo ou de outro, tenham levado existências recheadas de conflitos, controvérsias, impasses, contradições. Não escrevo para homenagear ou detratar ninguém. Não faço hagiografias, ou seja, biografias de santos; tampouco produzo libelos de desconstrução de reputações. Não beatifico, nem demonizo. Escrevo para entender o ser humano em todas as suas dimensões e ambivalências.
Rodolfo Teófilo (1999), Castello Branco (2004), José de Alencar (2006), Maysa Matarazzo (2007), Padre Cícero (2009) e Getúlio Vargas (2012/2013). Foram livros biográficos. Qual o senhor considerou de maior complexidade para escrever?
Cada livro embute as próprias complexidades. A pesquisa biográfica é sempre penosa, exaustiva, minuciosa. Mas, sem dúvida, pela extensão da narrativa e pela própria magnitude do personagem, biografar Getúlio Vargas foi um desafio à parte.
Biografias narrativas ou épicas? Como constrói as biografias?
Sou um apaixonado pela narrativa. A narratologia é um dos meus campos de estudo de predileção. A épica pressupõe um tom heroico, congratulatório, laudativo, que não se encaixa no gênero biográfico tal qual o concebo. Construo biografias usando a dúvida como ferramenta básica de trabalho. Não escrevo para impor verdades unívocas e absolutas. Ao contrário, problematizo certezas.