Uma literatura que se funde com o teatro
Propondo uma ruptura com a escrita tradicional, autor Ubiratan Muarrek lança hoje seu novo livro, "Meio do Céu", na Livraria do Jardim
Allan Lopes
Publicação: 30/06/2025 03:00
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Ubiratan já escreveu os romances Corrida do Membro e Um Nazista em Copacabana |
Entre os livros e os palcos sempre houve um caminho de ida e volta. Com Meio do Céu, o escritor paulista Ubiratan Muarrek decide percorrer esse trajeto de forma simultânea, rompendo com o narrador em primeira pessoa e abrindo mão da onisciência da terceira. Em seu lugar, emerge uma prosa construída por vozes que agora retornam ao Recife, cidade natal dos personagens. O lançamento acontece hoje, às 19h30, na Livraria do Jardim, com um bate-papo do autor com a professora e escritora Fernanda Pessoa.
Escrito em forma de peça, o livro conduz o leitor por diálogos secos. A história se passa em Londres, em 25 de julho de 2000, mesmo dia em que 113 pessoas morreram no acidente com a aeronave Concorde da Air France, em Paris. A tragédia funciona como metáfora central da obra, que anuncia um novo século de rupturas, desigualdade e instabilidade.
No livro, Muarrek desvela os dilemas contemporâneos entre o Brasil arcaico e o Brasil moderno. Assim como o supersônico colapsa no ar, os recifenses expatriados de Meio do Céu enfrentam o próprio esfacelamento: o racismo, as tensões de classe e as feridas coloniais ganham corpo numa Londres que funciona menos como refúgio e mais como espelho distorcido do país tupiniquim.
Na metrópole inglesa, duas amigas brasileiras, Sofitel e Greta — uma negra e uma branca, ambas vindas de um Recife ainda assombrado pela escravidão — se reencontram em um parque e confrontam o passado que compartilham. A partir desse embate, o autor constrói o que o dramaturgo Leo Lama define como uma “cacofonia de palavras”, na qual as personagens, como o próprio Concorde, atravessam suas zonas de turbulência pessoal e histórica.
Responsável pelo texto de apresentação da obra, Lama destaca a originalidade de Meio do Céu. “Explicitar se é tragédia, comédia, drama, isso ou aquilo, é diminuir a obra; melhor evidenciar a mistura. Do cômico surge o dramático, que pare o patético e o inesperado poético. Difícil é não se enredar nessa trama, que vai envolvendo enquanto descostura nossas certezas”, escreve ele.
Com carreira já consolidada na literatura brasileira, sendo autor dos romances Corrida do Membro (2007) e Um Nazista em Copacabana (2016), semifinalista do Prêmio Oceanos, Ubiratan Muarrek reafirma aqui sua aposta na tragicomédia como lente para retratar o Brasil contemporâneo: “Nas raízes da comédia há uma capacidade de perigo muito mais ameaçadora do que qualquer sentimento gerado pela tragédia. Tempos ameaçadores, arte ameaçadora, ao invés de arte ameaçada. Daí a minha escolha pelo tragicômico”, explica o escritor, que devolve ao Recife uma narrativa que, ao mesmo tempo, o reconhece e o confronta.