A ditadura no cinema brasileiro
Viver recapitula a relação da produção cinematográfica brasileira com o Regime Militar e conversa com especialistas no período que lembram da importância de recordar a data do Golpe de 1964
André Guerra
Publicação: 30/03/2024 03:00
Em sua riqueza estética e temática, a cinematografia brasileira registrou e recordou em diferentes formatos o impacto causado pelo Golpe de 1964. Fase de repressão e censura, o regime militar seguiu até 1985, mas os filmes, dentro de todas as condições adversas, fincaram seu espaço na história, visto que a época foi também o auge do nosso mais célebre movimento cinematográfico: o cinema novo, cujo expoente foi o baiano Glauber Rocha. O seu clássico Terra em transe, de 1967, que, através de parábolas e personagens de diferentes setores da sociedade, mostra o contexto político do Brasil denunciando o seu autoritarismo.
Posteriores ao período, mas igualmente marcantes, Que bom te ver viva, O dia que durou 21 anos, Lamarca, O que é isso, companheiro?, Zuzu Angel, Batismo de sangue e Marighella representam bem a diversidade da produção sobre a ditadura. De acordo com o livro A ditadura na tela, de Carolina Dellamore, Gabriel Amato e Natália Batista, desde o final dos anos 1970 começo de 1980, intensificou-se a produção de documentários sobre o tema a partir de um caráter memorialístico, enquanto os anos 2000 foram essenciais para essas produções cinematográficas que lidaram com o legado histórico do regime.
Um dos projetos mais atuais que buscam o resgate histórico do período é Terra revolta: João Pinheiro Neto e a reforma agrária, dirigido por Bárbara Goulart e Caio Bortolotti, que entra em cartaz ainda neste semestre e mostra a relação entre o advogado e jornalista João Pinheiro Neto e os movimentos de renovação do trabalho e ocupação do campo rural durante às vésperas do golpe. A diretora, neta de João Goulart, atesta a importância do audiovisual como ferramenta de impacto coletivo. “O cinema é um meio para a construção da memória coletiva do país, capaz de impactar o público tanto na esfera da razão como nas emoções. Através das imagens é possível ter um registro histórico do que pessoas realmente viveram. É diferente ler o depoimento da vítima e ouvi-la e vê-la falar”, declara Bárbara.
A CENSURA
O sistema da ditadura sabidamente controlava as produções em todas as suas fases, como explica ao Viver a Profª Dra. Meize Regina Lucena, da pós-graduação em História da UFC. “A censura em si é bem anterior a 1964; ela nasce ligada ao controle das diversões públicas, mas depois ganhou um adensamento com a participação de pedagogos, da Igreja Católica e do judiciário. Durante a ditadura, todos os filmes tinham que passar pelo controle do Estado, então o parecer de censura é um documento dentro de um processo mais amplo que envolve todo o controle do filme, a produção da obra, dado, origem, tempo, atores, enredo. Mas o principal era com relação à circulação, para onde aquele filme estava sendo exibido. Cada obra feita no país recebia um certificado de cinco anos para poder passar no cinema e os parâmetros para as salas e para a exibição posterior na televisão eram diferentes também. Temos registrados no Arquivo Nacional em Brasília mais de 36 mil processos relativos aos mais diversos tipos de filme”, explica.
CICLO DO SUPER 8
Durante os anos 1970, apesar da censura, o cinema pernambucano passou pelo chamado ‘Ciclo do Super 8’, quando cineastas, críticos e entusiastas aproveitaram o formato mais barato e artesanal das câmeras de Super 8 e fizeram vários filmes de linguagem vanguardista e registros importantes da época. Fernando Spencer, Celso Marconi, Amin Steple, Geraldo Pinho, Jomard Muniz de Brito, Geneton Moraes Neto, Osman Godoy e Kátia Mesel estiveram entre os nomes importantes do período, estudado em profundidade pelo professor e crítico de cinema Alexandre Figueirôa em seu livro O cinema Super 8 em Pernambuco: Do lazer doméstico à resistência cultural. “São filmes que viveram um período de efervescência muito forte, sobretudo com a censura, mas ao mesmo tempo corriam meio por fora por ser um suporte mais caseiro. Os filmes falavam de questões políticas e sociais, mesmo com metáforas e figuração. Se você pega os filmes de Jomard, por exemplo, você vai ver a homoafetividade já discutida abertamente, a nudez, a liberdade de expressão. Era uma experiência interessantíssima em termos de linguagem”, afirma Figueirôa.
PROGRAMAÇÃO TEMÁTICA
Neste domingo (31), o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (na sala do Museu) conta com a exibição do documentário Jango no exílio, de Pedro Isaías Lucas, que retrata os 12 anos em que ex-presidente João Goulart ficou exilado em território uruguaio e argentino. Após a sessão, haverá debate com Túlio Velho Barreto, diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundaj, com mediação do coordenador do cinema, Luiz Joaquim.
Posteriores ao período, mas igualmente marcantes, Que bom te ver viva, O dia que durou 21 anos, Lamarca, O que é isso, companheiro?, Zuzu Angel, Batismo de sangue e Marighella representam bem a diversidade da produção sobre a ditadura. De acordo com o livro A ditadura na tela, de Carolina Dellamore, Gabriel Amato e Natália Batista, desde o final dos anos 1970 começo de 1980, intensificou-se a produção de documentários sobre o tema a partir de um caráter memorialístico, enquanto os anos 2000 foram essenciais para essas produções cinematográficas que lidaram com o legado histórico do regime.
Um dos projetos mais atuais que buscam o resgate histórico do período é Terra revolta: João Pinheiro Neto e a reforma agrária, dirigido por Bárbara Goulart e Caio Bortolotti, que entra em cartaz ainda neste semestre e mostra a relação entre o advogado e jornalista João Pinheiro Neto e os movimentos de renovação do trabalho e ocupação do campo rural durante às vésperas do golpe. A diretora, neta de João Goulart, atesta a importância do audiovisual como ferramenta de impacto coletivo. “O cinema é um meio para a construção da memória coletiva do país, capaz de impactar o público tanto na esfera da razão como nas emoções. Através das imagens é possível ter um registro histórico do que pessoas realmente viveram. É diferente ler o depoimento da vítima e ouvi-la e vê-la falar”, declara Bárbara.
A CENSURA
O sistema da ditadura sabidamente controlava as produções em todas as suas fases, como explica ao Viver a Profª Dra. Meize Regina Lucena, da pós-graduação em História da UFC. “A censura em si é bem anterior a 1964; ela nasce ligada ao controle das diversões públicas, mas depois ganhou um adensamento com a participação de pedagogos, da Igreja Católica e do judiciário. Durante a ditadura, todos os filmes tinham que passar pelo controle do Estado, então o parecer de censura é um documento dentro de um processo mais amplo que envolve todo o controle do filme, a produção da obra, dado, origem, tempo, atores, enredo. Mas o principal era com relação à circulação, para onde aquele filme estava sendo exibido. Cada obra feita no país recebia um certificado de cinco anos para poder passar no cinema e os parâmetros para as salas e para a exibição posterior na televisão eram diferentes também. Temos registrados no Arquivo Nacional em Brasília mais de 36 mil processos relativos aos mais diversos tipos de filme”, explica.
CICLO DO SUPER 8
Durante os anos 1970, apesar da censura, o cinema pernambucano passou pelo chamado ‘Ciclo do Super 8’, quando cineastas, críticos e entusiastas aproveitaram o formato mais barato e artesanal das câmeras de Super 8 e fizeram vários filmes de linguagem vanguardista e registros importantes da época. Fernando Spencer, Celso Marconi, Amin Steple, Geraldo Pinho, Jomard Muniz de Brito, Geneton Moraes Neto, Osman Godoy e Kátia Mesel estiveram entre os nomes importantes do período, estudado em profundidade pelo professor e crítico de cinema Alexandre Figueirôa em seu livro O cinema Super 8 em Pernambuco: Do lazer doméstico à resistência cultural. “São filmes que viveram um período de efervescência muito forte, sobretudo com a censura, mas ao mesmo tempo corriam meio por fora por ser um suporte mais caseiro. Os filmes falavam de questões políticas e sociais, mesmo com metáforas e figuração. Se você pega os filmes de Jomard, por exemplo, você vai ver a homoafetividade já discutida abertamente, a nudez, a liberdade de expressão. Era uma experiência interessantíssima em termos de linguagem”, afirma Figueirôa.
PROGRAMAÇÃO TEMÁTICA
Neste domingo (31), o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (na sala do Museu) conta com a exibição do documentário Jango no exílio, de Pedro Isaías Lucas, que retrata os 12 anos em que ex-presidente João Goulart ficou exilado em território uruguaio e argentino. Após a sessão, haverá debate com Túlio Velho Barreto, diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundaj, com mediação do coordenador do cinema, Luiz Joaquim.