A arte como profissão Carlos Ranulpho, fundador da Galeria do Ranulpho, pioneira no Recife, morreu na madrugada de ontem, aos 94 anos. Marchand era uma referência no setor

Allan Lopes

Publicação: 16/04/2024 03:00

O marchand Carlos Ranulpho, conhecido por sua longa história como mediador entre artistas plásticos e a sociedade pernambucana, faleceu na madrugada de ontem aos 94 anos. É creditada a ele a formação do público local que consome arte, quando começou a patrocinar exposições e mostras no Recife. Ranulpho, que faria aniversário em duas semanas, estava hospitalizado desde o dia 30 de março para tratar de uma infecção, mas não resistiu. O velório e sepultamento aconteceram ontem, no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, na Região Metropolitana do Recife.

Carlos Ranulpho de Albuquerque nasceu em 28 de abril de 1929, na Rua da Praia, no Recife, como filho de Maria José e José Ranulpho. Seu pai, ilustrador e caricaturista, despertou nele o apreço pela beleza da arte, a começar pelas jóias, seus primeiros objetos de valor a serem comercializados. Sua primeira incursão comercial, antes de ingressar na marchandaria, foi a loja It Presentes, situada na Rua da Aurora, que mais tarde se tornou a Ranulpho Joalheiros. O sucesso levou à divulgação do seu nome nos jornais da cidade.

Foi nesse período que ele vislumbrou a possibilidade de criar uma galeria de arte profissional, algo que ainda não estava estabelecido no Recife na década de 1970. A Galeria do Ranulpho iniciou suas atividades às margens do Rio Capibaribe, onde permaneceu até ser realocada para um casarão em Boa Viagem em 1975. Dois anos mais tarde, a galeria abriu uma filial na nobre região dos Jardins, em São Paulo, e desde 2001 está instalada na Rua do Bom Jesus, no Recife Antigo. Seu primeiro trabalho como marchand foi com o artista plástico cearense Chico Silva. Outros nomes importantes como Cícero Dias, Wellington Virgolino, Reynaldo Fonseca, José Cláudio e Vicente do Rego Monteiro também tiveram suas obras expostas no espaço.

Na biografia do merchand publicada pela Cepe em 2018, o autor, jornalista Marcelo Pereira, descreveu Ranulpho como “mercador de beleza”. “Um profundo conhecedor do mercado de arte e seus meandros. Era inquieto e inovador nos negócios, também muito atento às tendências. Procurava fazer negócios com os artistas que fossem bons para os dois lados, procurando ser justo e valorizar os que eles produziam”, exalta. Segundo Pereira, Ranulpho deixa como principal legado a profissionalização do mercado de arte do Recife. “É um mercado difícil e sensível. Arte é prazer estético, é cultura. É também comércio e investimento. Para Ranulpho, o marchand não pode ter preconceito e, mais importante do que o gosto pessoal, é ter a sensibilidade de conhecer o gosto do cliente”.

O olhar aguçado de Ranulpho contribuiu no reconhecimento obtido por alguns artistas, como é o caso do xilogravurista J.Borges. Marcelo Pereira revelou na biografia que “Ranulpho procurou o dramaturgo e escritor Ariano Suassuna para lhe mostrar as matrizes de gravuras que adquirira de J. Borges. Ariano ficou surpreso, pois não conhecia, e com o maior entusiasmo declarou que, depois de Samico, ele era o maior gravador do Brasil”. Naquela época, a elite artística e intelectual não via com bons olhos a aproximação do merchand com artistas populares.

A Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) lamentaram, em nota nas redes sociais, o falecimento de “um dos principais galeristas do Brasil e considerado o principal marchand de Pernambuco”. Na sequência, o comuniacado expressa que “o grande legado deixado por Ranulpho à arte brasileira e pernambucana jamais será esquecido”.

A Galeria Ranulpho se pronunciou sobre a morte do fundador. Segundo a instituição, Ranulpho estava à frente da sua geração no que diz respeito à compreensão da arte. “Ele dedicou 56 anos de sua vida ao mercado de arte. Respirava e dormia sonhando com as próximas exposições. Um marchand com um olhar à frente do seu tempo. O grande legado deixado por Ranulpho à arte brasileira nunca será esquecido”, ressalta. No fim do texto, a Galeria faz menção ao faro do marchand para descobrir talentos. “Por suas mãos, passaram grandes nomes da arte moderna brasileira”, encerra.