Cinema negro: um olhar No primeiro feriado nacional do Dia da Consciência Negra, Viver conversa com especialistas sobre o cenário atual da representatividade cinematografia brasileira

André Guerra

Publicação: 20/11/2024 03:00

O cinema negro do Brasil vem com um peso muito maior do que apenas o protagonismo e a representação em tela: dialoga com a ideia de quem observa, de quem filma e, sobretudo, de quem toma as decisões finais sobre corpos e pessoas. Desde aquele que foi considerado marco pioneiro na cinematografia afro-brasileira, o curta-metragem performático Alma no olho (1974), do ator e diretor Zózimo Bulbul, passando pela desbravadora Adélia Sampaio, conhecida como a primeira mulher negra a realizar um longa-metragem no país com Amor maldito (1984), até chegar na popularidade e excelência de filmes como Cabeça de nêgo (2020), de Déo Cardoso, e Marte um (2022), de Gabriel Martins, o cinema negro brasileiro tem diversas expressões que tentam cada vez mais se difundir através do tempo e da dimensão continental da nação.

Um dos cineastas mais importantes do país e que acabou de lançar o seu novo filme, Brasiliana: O musical que apresentou o Brasil ao mundo, no 34º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema, o mineiro Joel Zito Araújo falou ao Viver sobre o objetivo de seu trabalho como realizador e sobre o atual estado do cinema negro brasileiro.

“Uma das questões complexas do Brasil é a dificuldade da compreensão da influência negra na nossa história e meus filmes buscam esse olhar. Não interessava às elites brasileiras e à branquitude que o país fosse visto no estrangeiro, mesmo em seus filmes mais prestigiados, como um país com maioria da população negra. Temos que tomar conta desses espaços, já que a representatividade ainda é muito pequena não apenas na frente e atrás das câmeras, mas principalmente nas curadorias, nos júris, nas redações. Meus filmes, tanto as ficções quanto os documentários, fazem esses resgates que passam a contar as histórias através desse olhar do povo negro sobre suas próprias vidas. E há toda uma nova geração muito interessante e forte, com cineastas como Gabriel Martins, André Novais e Maurilio Martins, que têm distintas influências e estão contribuindo muito em termos de linguagem para o cinema negro”, afirmou.

“A consciência negra não se limita a um dia no calendário — ela é uma luta diária, vivida e reafirmada em cada momento. Por muito tempo, o cinema negro foi condicionado a tratar exclusivamente do sofrimento, mas há vontade de contar também histórias que celebrem nossas vitórias, afeto e pluralidade. No Brasil e no mundo, o cinema negro vive um momento de afirmação que transita entre a resistência e a celebração da existência. Obras como Um é pouco, dois é bom (1970), de Odilon Lopez, recém-restaurado e que voltou a circular, ou Temporada (2018) e O dia que te conheci (2023), ambos de André Novais Oliveira, mostram como é possível abordar questões raciais explorando nuances que rompem com estereótipos”, ressaltou a crítica e pesquisadora de cinema Tati Regis.

A produtora Anna Andrade, conselheira Nordeste da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), destacou ainda a relevância das presenças negras nas estruturas de poder público e seu impacto na construção da identidade cinematográfica.

“Estamos vivendo um momento importante do cinema negro que começa com a participação de representações na máquina política, com a própria presença de Margareth Menezes no Ministério da Cultura e de Joelma Gonzaga na Secretaria de Audiovisual, e a gente já percebe um crescimento de projetos aprovados. Ao mesmo tempo, temos que lidar com toda uma estrutura social que se incomoda com pessoas pretas em espaços de poder”, destacou.