Vampiro: tentação e grandeza No imponente "Nosferatu", o diretor Robert Eggers conta com grande elenco para dar vida à sua visão do clássico de horror - e o resultado é tão bonito quanto rígido

André Guerra

Publicação: 02/01/2025 03:00

 (FOTO: UNIVERSAL/ DIVULGAÇÃO)

Quando lançou A bruxa no Festival de Sundance 2015, Robert Eggers se consagrou como um dos autores mais promissores da atualidade e a aclamação só iria crescer com O farol, em 2019. Grandes projetos passaram rapidamente para suas mãos, primeiro O homem do norte, de 2022, e agora um que o cineasta sonha em fazer desde o início da carreira: sua própria versão de Nosferatu, já em cartaz nos cinemas. Na trama, ambientada no século 19, o jovem Thomas (Nicholas Hoult) viaja a negócios até o castelo do misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård), onde se torna prisioneiro da criatura, enquanto sua esposa Ellen (Lily-Rose Depp) fica em casa sentindo a presença vampiresca se aproximar cada vez mais e tornar-se uma ameaça apocalíptica para a cidade.  

A versão original alemã de 1922, dirigida por F. W. Murnal, é um cânone pré-histórico do cinema de horror e foi adaptada por Werner Herzog em 1979, com a atuação antológica de Klaus Kinski no papel do vampiro. Diga-se: Nosferatu é essencialmente uma reimaginação do Conde Drácula, de Bram Stoker (Murnal trocou o nome e alguns elementos do enredo por razões de direito autoral, e nem por isso ficou imune a processos). E tendo em vista a especialidade de Eggers no horror classudo, com fortes bases históricas, góticas e mitológicas, esta adaptação parece um caminho natural na sua filmografia.

Narrativamente, o diferencial deste Nosferatu é o foco feminino. Assim como em A bruxa, Eggers trata da ideia do mal como uma tentação pelo prazer tolhido às mulheres durante esses tempos opressores que ele busca investigar e a interpretação propositalmente exaltada e performática de Lily-Rose – que aqui é literalmente possuída pelo ser maligno e se torna o coração do drama – orna bem com a abordagem proposta, assim como Nicholas Hoult, Willem Dafoe, Aaron Taylor-Johnson e Ralph Ineson, que ganham bem mais espaço para seus personagens do que nas versões anteriores. A composição do monstro, que demora a ser revelada, é tão carregada pela maquiagem e pela voz amplificada que não sobra muito a se dizer a respeito da interpretação irreconhecível de Skarsgård.

Trilha grave intensifica o terror sem nenhuma timidez nos momentos de susto e violência (FOTO: UNIVERSAL/ DIVULGAÇÃO)
Trilha grave intensifica o terror sem nenhuma timidez nos momentos de susto e violência


Assim como todos os demais trabalhos de Eggers, Nosferatu enche a tela de enquadramentos rígidos e poderosos, visual e simbolicamente. O tom meticulosamente ritualizado das interpretações e da encenação demonstra como sua visão da história está reproduzida em cada departamento técnico. É um cineasta com absoluto domínio criativo sobre o que está fazendo e no qual toda a equipe parece acreditar convictamente. O resultado é, então, muito sólido e imponente, com imagens virtuosas embaladas por uma trilha grave que intensifica o terror sem nenhuma timidez nos momentos de susto e violência.

Difícil não notar, porém, as repetições da seriedade virtuosa de Nosferatu – o filme tem dezenas de cenas com música crescente e diálogos declamatórios finalizadas por um corte para calmaria, o que impede o perigo de se manifestar com a agressividade e imprevisibilidade que o roteiro demanda. A figura do vampiro, com a fala arrastada e caracterização soterrada pela escuridão, reflete essa rigidez excessiva da direção, que não se abre muito para que as cenas aconteçam de fato e às vezes as deixa calculadas demais pela grandeza estética.

A César o que é de César: enquanto realização, há muito mais o que ser celebrado do que descartado. Poucos são os cineastas na Hollywood de grandes produções hoje que conseguem em apenas quatro filmes impor uma assinatura tão reconhecível quanto Eggers – e Nosferatu é um banquete tão pomposo para essa assinatura brilhar que fica no ar a torcida para que ele se leve um pouco menos a sério daqui em diante e, mantendo sua marca, busque mais pela renovação do que pela reafirmação. Estilo e cacife não faltam.