Adeus em preto e branco
Sebastião Salgado, ícone máximo do fotojornalismo brasileiro e referência mundial, faleceu ontem, deixando um legado irreparável de emoções
ALLAN LOPES
Publicação: 24/05/2025 03:00
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08/02/1944 - 23/05/2025 - Sebastião Salgado. Séries como Terra (meio) e Gênesis (dir.) mostram o estilo inconfundível do fotógrafo |
O mundo da fotografia perdeu um dos seus maiores nomes: Sebastião Salgado, que faleceu em Paris, na França, aos 81 anos. Segundo a família, a causa da morte foi uma leucemia grave, decorrente de complicações de uma malária contraída na Indonésia, durante uma de suas viagens nos anos 1990, e que não foi devidamente tratada na época. Ele deixa a esposa, Lélia Wanick, companheira de vida e projetos desde 1967, os filhos Rodrigo e Juliano, e os netos Flávio e Nara.
A morte foi confirmada pelo Instituto Terra, organização ambiental que criou com sua esposa. “Sebastião foi muito mais do que um dos maiores fotógrafos de nosso tempo. Ao lado de sua companheira de vida, semeou esperança onde havia devastação e fez florescer a ideia de que a restauração ambiental é também um gesto profundo de amor pela humanidade. Sua lente revelou o mundo e suas contradições; sua vida, o poder da ação transformadora”, escreveu o instituto em nota.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte de Sebastião Salgado, com quem mantinha encontros frequentes. Em suas redes sociais, afirmou: “O Brasil perdeu um dos maiores expoentes da fotografia mundial. A partida de Sebastião Salgado deixa uma lacuna irreparável no jornalismo brasileiro. Descanse em paz, companheiro”. A Academia de Belas Artes da França, da qual Salgado era o primeiro membro brasileiro, também expressou sua ”imensa tristeza” ao comunicar o falecimento do fotógrafo.
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Sebastião Salgado: "A fotografia é a memória de todos nós" |
Nascido em Aimorés, Minas Gerais, ele trilhou inicialmente o caminho das ciências econômicas, com mestrado pela USP e doutorado na França, para onde partiu em 1969 durante a ditadura militar. Na Europa, ingressou na Organização Internacional do Café e passou a viajar com frequência à África, que lhe revelou, através de cafezais da região, uma nova vocação. Em 1973, a calculadora econômica cedia lugar definitivo à máquina fotográfica, iniciando uma das trajetórias mais marcantes do fotojornalismo mundial.
Nas agências Sygma e Gamma e, posteriormente, na icônica Magnum (fundada por mestres como Henri Cartier-Bresson e Robert Capa) refinou seu estilo inconfundível: um preto e branco dramático que, sem cores para distrair, revelava com crueza e poesia tanto a agonia quanto a beleza da condição humana e da natureza. Com a câmera como testemunha, percorreu mais de 100 países, retratando a vulnerabilidade e a dignidade dos marginalizados.
Dentre suas principais séries documentais estão Sahel: O Homem em Aflição (1986), Outras Américas (1986), Um Incerto Estado de Graça (1990), Terra (1997), Gênesis (2013), entre outros. Já o registro de Serra Pelada, local de mineração na Amazônia, é considerado o mais visceral. Na década de 1980, Salgado imortalizou a epopeia trágica dos garimpeiros, em um retrato cru e hipnótico da obsessão humana pelo ouro.
Essa obra-prima do fotojornalismo pode agora ser revisitada na exposição Gold - Mina de Ouro Serra Pelada, em cartaz na Caixa Cultural Recife. A mostra, que traz 54 fotografias inéditas no Nordeste após três décadas guardadas, oferece ao público uma imersão no maior garimpo a céu aberto do mundo até 29 de junho, com entrada gratuita.
Nessas imagens atemporais, o fotógrafo nos deixa não um adeus, mas um convite permanente a enxergar o mundo com seus olhos.