Um texto para rir e refletir
Baseada no livro homônimo da escritora gaúcha Martha Medeiros, a peça "Simples Assim" chega hoje ao Recife para três apresentações no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, abordando com humor as conexões humanas do dia a dia
André Guerra
Publicação: 02/05/2025 03:00
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Júlia Lemmertz, Pedroca Monteiro e Georgiana Góes estrearam o espetáculo em 2019 |
Uma das mais célebres escritoras do país, Martha teve outras obras já adaptadas para os palcos. Estrelada por Lilia Cabral, Divã fez tanto sucesso que acabou no cinema. Já Doidas e Santas, com Cissa Guimarães, segue em cartaz até hoje (a última visita ao Recife foi em novembro do ano passado). Detalhe: ambas também foram dirigidas por Ernesto Piccolo. Em Simples Assim, a gaúcha se baseia com total liberdade em sua obra, lançada em 2015, para construir cenas de algum modo inspiradas em situações verídicas, começando pelo caso pitoresco de um âncora de telejornal que surta em rede nacional por conta da quantidade de notícias ruins que é obrigado a contar. A partir dessa e de outras passagens cheias de brincadeiras muitas vezes tragicômicas, Júlia, Pedroca e Georgiana levam a plateia às gargalhadas, discutindo as insanidades de um mundo contemporâneo hipercontectado e entrelaçando uma série de outras situações nas quais nem sempre paramos para prestar tanta atenção.
A estreia de Simples Assim se deu ainda em 2019, época em que o trio principal chegou a viajar com o espetáculo, preparando-se para, no ano seguinte, ampliar ainda mais a circulação. A pandemia, porém, atravessou esses planos e os atores tiveram que realizar versões remotas para cumprir a agenda da peça. O curioso é que esse período trágico enfrentado pela humanidade acabou tornando os temas propostos pelo texto de Martha Medeiros ainda mais atuais do que seis anos atrás, como salienta a própria Júlia Lemmertz em entrevista exclusiva ao Viver.
“Com tudo o que nós passamos no ápice da Covid-19, ficamos mais atrelados e dependentes dessa realidade virtual do que já éramos, o que só reforça como o texto não só permaneceu relevante como se tornou mais urgente do que nunca”, aponta a atriz, que também é gaúcha, embora tenha deixado o Rio Grande do Sul ainda bebê. Ela reforça que a intenção do espetáculo não é dar um alerta sisudo sobre o assunto, mas, sim, divertir. “Nossa proposta é ser uma reflexão bem-humorada disso. Afinal, não estamos querendo impor nenhuma regra. Não é sobre o moralismo de dizer às pessoas o que elas têm ou não que fazer, mas um convite para rirmos da nossa própria loucura, da nossa incapacidade de se comunicar presencialmente”.
Utilizando a leveza da comédia para relaxar o público e fazê-lo se identificar, Simples Assim relembra como, apesar de estarmos tão conectados com milhares de possibilidades da internet, telas e aplicativos, às vezes ficamos também tão solitários e ausentes do aqui, do agora e do real. Júlia destaca, no entanto, que a peça também não vilaniza a tecnologia. “Tudo bem ter todas essas coisas, mas o que a Martha Medeiros defende é o poder transformador de desligar o celular, o computador ou qualquer aparelho eletrônico e simplesmente ficar conversando”, ressalta.
Ao final da entrevista, Júlia ainda enaltece o carinho pelo Recife e, em particular, pelo jornalista e escritor pernambucano Cleodon Coelho, atualmente na equipe do Diario e responsável pela biografia Lílian Lemmertz – Sem Rede de Proteção, lançada pela Coleção Aplauso em 2010. “A gente foi muito parceiro durante o trabalho lindo que ele fez sobre a minha mãe, ao longo de três anos de pesquisas, pelo qual serei grata para sempre”, conta ela, relembrando que Lílian marcou o imaginário coletivo em trabalhos como a novela Baila Comigo, em que viveu a primeira Helena de Manoel Carlos, e o filme Lição de Amor. São delicadezas simples assim que fazem de Júlia um nome tão forte quanto o da mãe para a cena brasileira.