Estilhaços de um país dividido O documentário 'No Céu da Pátria Nesse Instante', que estreia amanhã, relembra a turbulência política e social das eleições de 2022, com ênfase no combate à desinformação e na dificuldade de estabelecer diálogo

ANDRÉ GUERRA

Publicação: 13/08/2025 03:00

Sandra Kogut (D) filmou o longa durante todo o ano de 202 (DIVULGAÇÃO | ACERVO PESSOAL)
Sandra Kogut (D) filmou o longa durante todo o ano de 202

O mar de tensões em que o Brasil mergulhou entre o resultado das eleições de 2022 e os acontecimentos do dia 8 de janeiro de 2023 são tema e cenário do documentário No Céu da Pátria Nesse Instante, novo filme de Sandra Kogut, que entra em cartaz no Recife amanhã, após mais de um ano desde a sua primeira exibição pública, no Festival de Brasília. Entrevistando atores importantes de um processo eleitoral atravessado por vários tipos de turbulência, a diretora, conhecida por Mutum (2007) e Campo Grande (2015), registra a divisão política da população em instâncias frequentemente apagadas do debate.

A produção acompanha a rotina de mesários, revelando detalhes do seu dia a dia eleitoral e suas vidas pessoais, em uma defesa ampla da transparência do sistema das urnas eletrônicas. Em contraposição constante, a montagem mostra também a família de um caminhoneiro pró-Bolsonaro, sua relação com a religião e opiniões sobre a escalada de acontecimentos que tensionam a segurança do país, culminando na invasão da Praça dos Três Poderes dias após a posse do presidente Lula. Há ainda a presença significativa do ex-deputado Marcelo Freixo, a partir do ponto de vista de sua esposa, a roteirista e atual diretora da EBC, Antonia Pellegrino.

Sandra Kogut esteve no Recife para a pré-estreia seguida de debate no Cinema da Fundaj (Derby) e, em conversa exclusiva com o Viver, falou sobre as transformações pelas quais a obra passou desde a sua produção até o lançamento no circuito comercial. “Acho que todo filme é uma obra viva. À medida que o tempo avança, as pessoas mudam e, consequentemente, ele muda também. Esse, particularmente mais, porque percebemos a cada ano como tudo fica mais complexo e agudo”, salientou. “Estamos em um momento em que as eleições de 2026 já tomam conta do debate público, portanto fazem parte das nossas vidas e tornam nossa relação com o filme mais intensa ainda do que dois anos atrás”.

Desde a segunda metade da última década, diversos documentários políticos com diferentes recortes revelam bastidores e climas do Brasil e nota-se que aqueles que conseguiram maior destaque e repercussão foram dirigidos por mulheres, a exemplo de Assim Como o Ar, Sempre nos Levantaremos, da pernambucana Clara Angélica, O Processo, de Maria Augusta Ramos, e Democracia em Vertigem (indicado ao Oscar 2020), de Petra Costa, a mesma que acaba de lançar Apocalipse nos Trópicos.

Sandra exaltou a relevância que esses nomes femininos têm conquistado por trás das câmeras. “Acho incrível que esse terreno tradicionalmente reservado aos homens esteja tão bem ocupado por mulheres que, inclusive, dão esse espaço na frente da câmera para personagens femininas, como é o caso do meu”, apontou.

A cineasta falou ainda sobre a experiência coletiva da sua obra, que tem despertado reações acaloradas desde a primeira exibição. “Esse filme é para ser visto numa sala de cinema. As pessoas ficam muito mobilizadas com ele e acho que o momento atual ajuda nisso. Espero que o público do Recife, cidade com uma cena cinematográfica tão poderosa, o receba de forma catártica, como pude observar em outras sessões pelo Brasil”, almejou.